Título: CRÉDITO ENCOSTA EM R$500 BI
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 18/04/2005, Economia, p. 15

Volume representa 26,7% do PIB. E há pedidos para R$20,2 bi em debêntures

Adespeito da política restritiva do Banco Central (BC), que desde setembro elevou os juros básicos sete vezes seguidas, o crédito no Brasil vai bem, obrigado. Estatísticas do próprio BC indicam que apenas nos dois primeiros meses de 2005 (últimos dados disponíveis) as operações de crédito do sistema financeiro como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) aumentaram meio ponto percentual. O volume total que estava emprestado a empresas e pessoas físicas alcançou R$498,3 bilhões (em janeiro de 2004, era de R$410,7 bilhões), equivalente a 26,7% do PIB, contra 26,2% em dezembro de 2004 e 25,3% um ano antes.

A este desempenho, soma-se o volume recorde nos registros e pedidos de emissão de debêntures: R$20,175 bilhões. Ou seja, o volume de financiamento na economia brasileira nestes primeiros meses de 2005 já beira os R$520 bilhões, sem contar os lançamentos de ações, os empréstimos no mercado internacional e outros títulos de dívidas, como notas promissórias e fundos de recebíveis.

Para os especialistas, a procura por outros mecanismos de financiamento é uma evidência da disposição dos empresários para tomar recursos a custos mais baixos para, por exemplo, financiar investimentos. De janeiro até os primeiros dias de abril, as operações com debêntures dobraram em relação ao volume registrado em todo o ano de 2004 e já superam o recorde histórico de R$15 bilhões em 1991.

Empréstimos podem atingir 33% do PIB

Já equivalem a pouco mais de 1% do PIB, como salienta Nelson Rocha, presidente da BB DTVM, líder na gestão de recursos de terceiros no Brasil e uma das 200 maiores do mundo.

¿ O país entrou num processo muito expressivo de expansão do crédito nos últimos dois anos. Saímos de 20% do PIB em 2002 e chegaremos a algo entre 30% e 33% do PIB no fim deste ano, se considerarmos a oferta total de crédito, que leva em conta não apenas o sistema financeiro, mas outras opções de financiamento às empresas, como a emissão de debêntures ¿ afirma o executivo.

Nas contas de Rocha, somente no primeiro trimestre de 2005 a oferta total de crédito no mercado interno encostou em 28% do PIB. E tende a continuar em expansão nos próximos meses, não apenas pelo entusiasmo das pessoas físicas ¿ seduzidas pela recuperação do emprego e do rendimento combinada aos empréstimos com desconto em folha de pagamento e aos planos de financiamento com prazos longos e prestações viáveis ¿ mas pelo interesse dos empresários em investir no aumento da produção voltada à demanda interna e às exportações, que continuam batendo recorde, mesmo com a queda do dólar.

Os dados do BC mostram que, apenas em fevereiro, a oferta de crédito a pessoas físicas cresceu 2,7% sobre janeiro e 31,8% em 12 meses. Ao todo, são R$120,8 bilhões destinados às famílias, dos quais R$13,6 bilhões em empréstimos consignados.

Já os negócios com debêntures explodiram. Nos cem primeiros dias do ano, foram registradas R$10,535 bilhões em emissões, cifra superior aos R$9,614 bilhões obtidos em todo o ano passado. Até a última quarta-feira, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) analisava outros R$6,64 bilhões de emissões em análise. E mais R$3 bilhões estavam em fase de estruturação, segundo informações de mercado. O desempenho é tão expressivo que o superintendente de Registro de Valores Mobiliários da autarquia, Carlos Alberto Rebello Sobrinho, já afirma que este será o ano das emissões no país:

¿ Se não mudar nada na economia, esses volumes vão se ampliar. E não apenas as debêntures. O oferta de fundos de direitos creditórios (FIDCs, os fundos de recebíveis) também é crescente. Pequenos bancos estão vendendo os fluxos futuros que aposentados e assalariados vão pagar pelos empréstimos consignados. Em 2004, foram registrados R$2,2 bilhões nesse tipo de operação. Este ano, os analistas calculam que pode chegar a R$7 bilhões. Em março, o patrimônio líquido desses fundos, segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), somava R$4,7 bilhões, dos quais R$1,8 bilhão captado nos últimos 12 meses.

Mercado tem efeito de multiplicação

Rebello destaca o efeito multiplicador dessas operações na própria oferta de crédito. Um assalariado ou aposentado toma empréstimo com desconto em folha de pagamento para antecipar compras ou pagar dívidas. Em seguida, o banco que o atendeu vende com deságio a outras instituições a dívida a ser paga num prazo que pode chegar a 36 meses. Com o dinheiro obtido junto ao fundo de recebíveis, os bancos de pequeno e médio porte, que estão se especializando no crédito consignado, podem conceder novos financiamentos a outros clientes.

¿ Uma parte da sociedade interessada em antecipar o consumo vai tomar empréstimo. De outro lado, um poupador vai receber parte dos juros de quem consumiu. No meio, os bancos conseguirão liberar recursos para emprestar mais. O mesmo capital, portanto, vai dar crédito a muita gente ¿ completa.

O presidente da BB DTVM e o superintendente da CVM não duvidam do interesse dos investidores nos títulos das empresas. A indústria de fundos de investimento, destino natural dos papéis privados, como as debêntures, não pára de crescer. Desde o início de 2003, o volume de recursos administrados pela BB DTVM saltou de R$66 bilhões para R$133 bilhões.

¿ É esta capacidade de crédito que está embasando o crescimento da economia brasileira. Por isso, sou mais otimista que a média do mercado e acredito que o PIB vá crescer pouco mais de 4% este ano ¿ completa Rocha.