Título: RUMO AO NOVO PAPADO
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 18/04/2005, O Mundo, p. 20

Cento e quinze cardeais se isolam a partir de hoje no Vaticano para eleger o próximo líder da Igreja

Isolados do mundo, 115 cardeais se reúnem a partir de hoje para escolher o próximo Papa sem terem uma idéia clara de quem sucederá a João Paulo II. O silêncio ¿ decretado pelo Vaticano, com a aceitação unânime dos cardeais ¿ é total. Para evitar qualquer influência externa, todos eles foram instalados num prédio de cinco andares, a Casa de Santa Marta, no Vaticano. Vão dormir a poucos passos da Capela Sistina, onde participarão de até quatro votações diárias até que um deles obtenha dois terços dos votos e seja eleito o novo líder da Igreja Católica.

Os cardeais decidirão somente hoje se a farão esta noite a primeira votação ou se o processo eleitoral começa amanhã. O Vaticano anunciou que entre a fumaça branca e o badalar de sinos que anunciarão a eleição e a aparição do novo Papa deverá haver um intervalo de cerca de 45 minutos. Às 15h30m de hoje (hora local), depois de uma última missa na Basílica de São Pedro, os cardeais se reunirão no Palácio Apostólico antes de se dirigirem em procissão para a Capela Sistina.

O ritual da escolha do Papa é antigo, mas o Vaticano teve de se adaptar aos tempos modernos. Os cardeais não vão mais ficar trancados. Poderão caminhar pelos jardins e até praticar corrida, mas sem celular ou rádio. Somente um salão na Casa de Santa Marta tem aparelho de TV, mas seu uso é controlado.

Surpresa marca conclaves

Antes de entrarem em reclusão, vários cardeais aproveitaram o dia de ontem para um último contato com os fiéis, celebrando missas nas igrejas romanas das quais são titulares: entre eles o brasileiro Dom Geraldo Majella Agnello e o hondurenho Oscar Andres Rodríguez Maradiaga. Os poucos que falaram, repetiram a fórmula de sempre. Apesar de a imprensa relatar uma queda-de-braço entre a ala conservadora, liderada pelo alemão Joseph Ratzinger, e a progressista, comandada pelo italiano Carlo Maria Martini, os cardeais só têm uma resposta: é o Espírito Santo quem elege.

¿ As pessoas acham que vamos votar como numa eleição, mas é algo completamente diferente. Vamos escutar o Senhor e o Espírito Santo ¿ insistiu Maradiaga.

O cardeal hondurenho é um dos favoritos na disputa pelo comando da Igreja. Entre os candidatos está também Dom Claudio Hummes, arcebispo de São Paulo. Outros três brasileiros participarão do conclave: Dom Eusébio Scheid, arcebispo do Rio; Dom Geraldo Agnello, arcebispo de Salvador; e Dom José Freire Falcão, arcebispo emérito de Brasília.

Ninguém acredita que um nome sairá da primeira rodada de votação. Muitos apostam que o conclave será como o de 1978, em que todos os favoritos foram derrubados e elegeu-se um nome inesperado: Karol Wojtyla. Na história das últimas eleições, houve surpresas não só nas escolhas, mas também em relação ao papel que cada eleito desempenhou. Como comentou o padre Rafael Biernaski:

¿ Quando elegeram João XXIII, quem imaginaria que ele faria o Concilio Vaticano II, que mudou a Igreja?

A imprensa italiana continua apostando num papa europeu. O confronto inicial seria entre Ratzinger ¿ um conservador que foi um dos mais próximos colaboradores de João Paulo II ¿ e o progressista Martini. Mas vaticanistas dizem que nenhum dos dois tem condições de obter os dois terços de votos necessários para ser eleito. A importância deles é outra: a partir deste confronto se saberia qual corrente ¿ progressista ou conservadora¿ terá influência na escolha do Papa. Antes de partir ontem para a reclusão na Casa de Santa Marta, o cardeal mexicano Norberto Rivera Carrera assegurou que ninguém pode prever o que vai acontecer:

¿ Acredito que o Espírito Santo já sabe. Mas ele ainda não nos falou ¿ afirmou.

Eleição encobre crise

Como sempre cercada de mistério, a eleição do Papa está disputando a atenção de italianos em plena crise de governo de direita de Silvio Berlusconi.

¿ Para mim, faz sentido que seja um latino-americano. Não acredito na religião, mas acho que é lá que o catolicismo está mais vivo ¿ opinou o engenheiro Fulvio Fannia, de 43 anos.