Título: NEM INCA ESTÁ IMUNE AO CAOS NA SAÚDE PÚBLICA
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 17/04/2005, Rio, p. 21
Espera até o tratamento cirúrgico do câncer chegou em março a 72 dias, quando não poderia passar de 60
BRASÍLIA. O caos na saúde pública do Rio já está atingindo um dos principais centros de referência no Brasil para o tratamento oncológico: o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Em março, o tempo de espera na fila de um paciente entre a entrada e o tratamento cirúrgico do câncer chegou a 72 dias. O direção do Inca reconhece que esse tempo não poderia superar 60 dias.
Segundo números obtidos pelo GLOBO, na principal unidade do Inca, o Hospital do Câncer I, o tempo médio para uma cirurgia já é de 82 dias. A direção do Inca informou que o tempo de espera era de 81 dias. Em algumas especialidades cirúrgicas, como cabeça e pescoço e mastologia, a demora já é de cem dias; em urologia o tempo de espera é de 98 dias. Cirurgias no abdômen e neurocirurgia levam em média 89 dias de espera. Para uma intervenção ginecológica, é preciso aguardar 74 dias.
Quase três mil pessoas na fila, à espera de tratamento
Em março havia, nas quatro unidades do Inca, 2.849 pessoas na fila, à espera de tratamento. São pessoas que já estão com diagnóstico de câncer. Esse número inclui tanto doentes que já receberam algum tipo de tratamento quanto aqueles que ainda esperam pela primeira cirurgia.
O diretor-geral do Inca, José Gomes Temporão, não contesta os números. Ele reconhece os problemas do instituto e explica que os hospitais do Inca respondem por 55% das internações de câncer no Rio, 53% dos procedimentos cirúrgicos na área e 79% dos procedimentos de quimioterapia. Temporão argumenta ainda que, com a crise hospitalar, pacientes de outras unidades (Andaraí, Cardoso Fontes e Lagoa) passaram para o Inca.
¿ Isso teve um impacto significativo aqui ¿ explica.
Ele lembra que desde 1994 o Inca não faz concurso para recompor seus quadros e que hoje há déficit de pessoal. Temporão acredita que o Inca poderia estar produzindo mais, não fosse a carência de recursos humanos.
Questionado sobre a demora para a realização de cirurgias, o diretor reconhece as limitações do atendimento:
¿ Não é possível comparar o atendimento a um paciente da rede privada com o da rede pública. Nos hospitais públicos é preciso aguardar. Oferta imediata não existe. Estamos no Brasil, não na Suíça.
Taxa de mortalidade está entre as melhores do mundo
O coordenador de assistência e saúde do Inca, Luiz Maltoni, também reconhece a existência da grande demanda nas unidades do instituto. Ele explica que algumas especialidades, como cirurgia de cabeça e pescoço, são realizadas exclusivamente pelo Inca no Rio, o que provoca uma espera maior pelo tratamento.
Mesmo assim, Maltoni considera muito alto o tempo médio de 72 dias entre a chegada do paciente com diagnóstico de câncer e a realização de uma cirurgia. Ele ressalta que, apesar das dificuldades, o Inca tem conseguido manter uma taxa de mortalidade de 8,7%, compatível com os melhores hospitais do mundo.
¿ Nós gostaríamos que fosse um tempo menor de espera. Nossa meta é de um tratamento que não ultrapasse os 60 dias depois da matrícula. Agora, a única solução para resolver isso é fechar as portas. Mas isso o Inca não fará.