Título: `NÃO ACHO QUE RATZINGER SERÁ ELEITO¿
Autor: Entrevista : Andreas Englisch
Fonte: O Globo, 18/04/2005, O Mundo, p. 21

Vaticanista diz que cardeal alemão não quer suceder a João Paulo II

O vaticanista alemão Andreas Englisch, correspondente do jornal ¿Bild¿, goza de ótima reputação dentro do Vaticano, tem conhecimento e expressa sua análise com clareza e sinceridade. Ele escreveu diversos livros sobre a Igreja Católica e entrevistou várias vezes João Paulo II. Conhecendo bem o seu compatriota Ratzinger, ele discorda dos vaticanistas italianos que indicam o decano dos cardeais como favorito ao Trono de Pedro.

Os vaticanistas italianos indicam Ratzinger como favorito para a sucessão de João Paulo II. O senhor concorda?

ANDREAS ENGLISCH: Não acho que Ratzinger será eleito. Ele nunca terá mais que 40 votos, porque tem inimigos demais. Em todas as dioceses do mundo ele eliminou alguém, criando estes inimigos. Porém, a coisa mais importante é que não é capaz de ser Papa. Ele não gosta de ir a publico e fazer pronunciamentos.

O senhor que conhece Ratzinger pessoalmente, poderia descrevê-lo?

ENGLISCH: Ratzinger gosta de se dedicar a seus estudos e sempre disse que amava seu trabalho como professor universitário. Ele se sentiria condenado se fosse eleito Papa. Acho que ele está tentando desencorajar os outros que querem votar nele.

O senhor entrevistou diversas vezes João Paulo II e algumas vezes Ratzinger. Poderia contar a sua experiência?

ENGLISCH: Entrevistei João Paulo II uma dúzia de vezes. O Papa respondia imediatamente a todas as perguntas dos jornalistas. Ratzinger gosta de meditar e nunca dá uma resposta imediata sem ter refletido antes. É muito difícil conseguir entrevistá-lo porque ele detesta a mídia e não é uma pessoa que goste de se expor.

Segundo os vaticanistas, Ratzinger tem grande apoio dos cardeais conservadores que não querem reformas. O senhor concorda?

ENGLISCH: Sim. Ficaria tudo imóvel como está porque ele não faria reformas.

Na sua opinião, Ratzinger não poderia ser favorecido pela divisão entre os cardeais progressistas?

ENGLISCH: Sim, esta divisão entre os progressistas poderia favorecê-lo. Mas não acho que Ratzinger possa vencer.

Dizem que os principais opositores dele são alemães. Entre eles Karl Lehmann, arcebispo de Berlim, cuja nomeação como cardeal em 2001 foi atrasada por mais de quatro anos porque Ratzinger não queria. O senhor confirma?

ENGLISCH: Não é verdade que (Walter) Kasper e Lehmann sejam inimigos de Ratzinger. Eles se conhecem há quase 40 anos. Eles têm posições diferentes: Lehmann é um progressista e Ratzinger um conservador, mas nunca foram inimigos. Lehmann sabe que Ratzinger é um ótimo teólogo e o respeita.

Caso Ratzinger seja eleito o novo Papa, para onde iria a Igreja Católica?

ENGLISCH: Para a direita. Seria um pontificado fechado, com muito menos diálogo com as outras religiões cristãs e com o Islã. Não seria um pontificado político. Ele não tocaria nos assuntos do Oriente Médio, por exemplo.

Os católicos não pedem uma resposta política da Igreja, e sim que a Igreja dê uma resposta aos políticos, o senhor não acha?

ENGLISCH: Sim. Mas Ratzinger ficaria fechado por três anos antes de dar uma resposta aos políticos. No caso de uma guerra, a resposta de Ratzinger viria três anos depois que a guerra terminasse. Ele é muito cauteloso.

O senhor disse que se Ratzinger fosse Papa, fecharia o diálogo com outras religiões cristãs e com o Islã. Não é perigoso fechar as portas ao diálogo inter-religioso num contexto onde se volta a falar em guerra santa?

ENGLISCH: Sim, acho que este é o maior perigo. Ratzinger fecharia as portas ao diálogo entre as religiões, neste delicado período de contraste do Ocidente com o Islã. O maior desafio da Igreja Católica é demonstrar que as religiões podem fazer a paz, porque estas já demonstraram que podem fazer guerra.

Caso Ratzinger seja o novo Papa, que conseqüências poderia haver num contexto em que os católicos estão mudando para outras religiões?

ENGLISCH: Ratzinger não se importa nada com as outras seitas. Para ele a formula é simples: ¿Quem quiser continuar sendo católico deverá demonstrar na prática, caso contrário não irá ao paraíso.¿ Se hoje os católicos são 1,1 bilhão de pessoas e amanhã forem 300 milhões, para ele não importa nada.

Ratzinger disse que existe sujeira dentro da Igreja. Que tipo de limpeza ele faria se fosse Papa?

ENGLISCH: Ele fecharia tudo, eliminando a possibilidade de qualquer pequena abertura, como, por exemplo, na questão dos divorciados. Eles não podem tomar a comunhão, mas em algumas dioceses os padres permitem que os divorciados comunguem. Ratzinger mandaria estes padres embora.

Que outros aspectos o senhor pode revelar sobre a carreira de Ratzinger?

ENGLISCH: É curioso que Ratzinger tenha sido um reformador durante o Concílio Vaticano II. Ele ajudou a mudar a regra que estabelecia a celebração da missa em latim, por exemplo. Depois ele deu esta virada para a direita e é responsável por muitas decisões conservadoras da Igreja.

Por que João Paulo II nunca contradisse Ratzinger?

ENGLISCH: Porque Ratzinger é o melhor teólogo que existe na Igreja. Apesar dos seus defeitos, ele é um teólogo sensacional, o melhor do mundo. É incrível que numa Igreja tão grande como a Católica, não se encontre um teólogo à altura de Ratzinger.