Título: OS REPUBLICANOS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 21/04/2005, O País, p. 4
O processo político que resultou na eleição do deputado Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara e mais a relação explícita de troca de apoio político por cargos no governo pelos partidos aliados estão fazendo com que um grupo de políticos, especialmente senadores, comece a conversar para tentar buscar fórmulas que façam com que o conceito de República, tão presente na retórica de algumas figuras do governo, mas tão ausente do dia-a-dia de nossa política, prevaleça nas relações entre os poderes e se espalhe pela sociedade.
É um movimento suprapartidário que une, por exemplo, os senadores Cristovam Buarque, do PT, Jefferson Peres, do PDT, e Marco Maciel, do PFL, cada qual com preocupações semelhantes, mas abordando o conceito de República através de análises diversas.
Jefferson Peres dá uma especial atenção à política, idealmente desejando que os políticos republicanos de todos os partidos possam se unir em torno de uma nova legenda para combater os patrimonialistas. O senador Marco Maciel foca sua preocupação nas reformas institucionais que precisam ser feitas, na sua opinião, para equilibrar os poderes e dar mais autonomia a estados e municípios. E o senador Cristovam Buarque centra seu projeto na educação, caminho para que a sociedade brasileira saia do que chama de apartheid social.
Segundo o senador Peres, o receio é que o movimento fique identificado com o governo ou com a oposição, com este ou aquele partido. ¿Existem republicanos em todos os partidos¿, diz. Segundo ele, terminada a dicotomia ideológica no mundo, no Brasil permanece uma dicotomia: republicanos de um lado e patrimonialistas do outro. ¿Se analisarmos bem, o que o Severino diz cinicamente é o que muitos praticam disfarçadamente¿, constata, desolado, o senador do PDT.
O que é preciso, para esse grupo, é reunir aqueles que têm espírito público e cultuam os chamados valores republicanos. ¿É uma pena que esse Brasil atrasado, o do patrimonialismo, tenha conseguido se impor. Que o processo histórico não tenha levado a uma separação nítida de campo, porque está tudo embaralhado hoje¿, lamenta Jefferson Peres, que constata que ¿o PT teve que se aliar aos patrimonialistas, assim como o fez Fernando Henrique, e ficam tucanos republicanos hostilizando petistas republicanos¿.
Segundo ele, ¿a idéia é irmos conversando para ver se formamos um movimento, para que essas idéias, através do debate público, perpassem todos os partidos. Isso para que, quem sabe, amanhã, de maneira natural, propiciem um reagrupamento e uma diferenciação dos dois campos¿.
O senador Marco Maciel centra sua análise na necessidade de reformas institucionais para fortalecer a federação. Ele lembra que a Constituição de 1988 promoveu uma descentralização que, num primeiro momento, permitiu que estados e municípios tivessem uma certa autonomia do governo federal, especialmente na questão orçamentária. Mas que, aos poucos, a centralização foi voltando a prevalecer, até provocar graves desequilíbrios financeiros nos estados e municípios.
Além das reformas institucionais, como a tributária, o senador Marco Maciel também aponta a necessidade de uma ampla reforma abrangendo a legislação eleitoral e política. Um exemplo que dá é a lei de verticalização, que ele considera antifederativa ¿porque retira a possibilidade de os partidos, nos respectivos estados, decidirem seus rumos, ficando condicionados a uma diretriz nacional. Em uma federação, você tem que deixar que os cidadãos decidam nos estados como organizar suas chapas, como definir suas coligações¿.
Já o senador Cristovam Buarque diz que até hoje não completamos a República, continuamos como nas monarquias: ¿Existe uma classe superior, uma elite, que não se mistura, que não tem o governo como representante de todos¿. Ele acha que mesmo o governo do PT ¿toma as decisões em função da minoria dos privilegiados, em defesa dos corporativizados, dos mais organizados¿.
Ele diz que, em grande parte, a violência de hoje no Brasil se deve à falta de um espírito republicano no país. ¿A relação entre assaltante e assaltado é de habitantes de sociedades separadas, sem solidariedade entre eles¿. Cristovam lembra que em países como Argentina, Chile, Uruguai, ¿você tem uma relação de identidade com o garçom, com o motorista de táxi. No Brasil, há uma arrogância dos ricos, que separa os fregueses de quem os serve¿.
O senador do PT diz que o caminho para equilibrar essa relação ¿é mais político do que econômico¿. Segundo ele, o que impediu a republicanização do país foi ¿a falta de um programa de educação universal equivalente para todos¿. Na sua análise, durante uma boa parte de nossa história tivemos boas escolas públicas federais, mas para pouca gente.
¿O governo federal repassou para os estados e municípios a educação, ficou de fora da educação das massas, mas manteve sua participação na educação das classes privilegiadas, através das universidades e do desconto do imposto de renda para os filhos da classe média¿, ressalta o senador Cristovam Buarque, para quem ¿a solução está na federalização da educação¿. (Continua amanhã)