Título: Alta inesperada
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 21/04/2005, Economia, p. 18

O Banco Central surpreendeu a maioria dos analistas aumentando de novo os juros. Agora eles estão apenas 0,5 ponto percentual atrás dos de setembro de 2003, quando a inflação era bem mais alta. A taxa real de juros é uma das maiores dos últimos anos. A decisão acontece dois dias depois de o ministro Antonio Palocci ter dito aos investidores nos Estados Unidos que o Brasil vai crescer nos próximos 20 anos.

Um motivo possível para a alta dos juros, a oitava deste longo período de contração monetária, é uma nova pressão na inflação. Os dados divulgados esta semana foram piores do que a pior previsão. O IPC da Fipe ficou em 1%, o IGP-10 ficou em 1,17%; o IPS da FGV ficou em 0,9%. A projeção de inflação das instituições financeiras aumentou pela sétima semana seguida. São os motivos que devem estar na ata do Copom, na semana que vem. Mas a maioria dos analistas, mesmo vendo esses sinais, acreditava que o Banco Central não subiria os juros. Por aqueles motivos que tratei aqui na coluna de terça-feira.

Um deles é que é preciso esperar para ver os resultados da política monetária. O próprio Henrique Meirelles disse, esta semana, que ela estava fazendo efeito. Outro motivo é o fato de que o dólar anda sendo empurrado ainda mais para baixo pela taxa altíssima de juros. Outro é o nível de atividade, que está em desaceleração em vários indicadores, como a produção industrial, as vendas do comércio. Ontem, novo dado: está caindo a confiança empresarial. Há sinais de queda de investimento, pelas análises feitas por especialistas.

Juros de 19,5% com inflação prevista de 5,5% é uma enormidade que só teve semelhança no nebuloso início de 2003, quando o país vivia a incerteza da chegada de um novo governo, um salto da inflação que a levou a 17% em 12 meses no mês de maio, época em que o dólar estava muito mais alto que atualmente. Só naquele momento é que os juros reais superaram os 13% atuais

Não há garantia alguma de crescimento pelas próximas duas décadas, ao contrário do que disse o ministro Antonio Palocci. Nenhum país cresce de forma sustentada com 13% de juro real. O Brasil cresce agora, mas o longo prazo depende de se reencontrar o caminho para juros substancialmente mais baixos que os atuais. A dívida terá que cair fortemente e a tendência será de queda gradual a cada ano, para que se possa reduzir ainda mais os juros e se iniciar o círculo virtuoso. Na última LDO, o governo indicou que projeta o superávit primário para os próximos três anos. Com isso, será uma década com forte superávit primário. Todo esse sacrifício se faz porque se quer reduzir a proporção da dívida em relação ao PIB. A estratégia só dará certo se a dívida for mais barata. Ao preço que está hoje, a dívida não cai. Este ano, por exemplo, deve ficar estável em relação ao PIB.

Há vários outros desafios à frente, mas antes será preciso reduzir substancialmente os juros para que se possa sonhar com o crescimento sustentado. Todos sabem que juros altos são o remédio para ser usado de forma extraordinária em momentos de crise e de ameaça inflacionária. Oito aumentos na taxa Selic e elevação para 19,5% de taxa nominal e 13% de juro real é uma dose forte demais para um país que está enfrentando uma pequena alta de inflação, mas tem um quadro econômico com excelentes notícias.

A declaração do ministro de que o Brasil vai crescer nos próximos 20 anos fica meio fora de tom, diante de uma taxa de juros que só se usa em época de crise. Lá fora, falando para investidores, cercado de elogios pela admirável recuperação do Brasil, é isso mesmo que Palocci tem que dizer. Mas, quando não é para inglês, ou melhor, americano ver, a verdade é que há um longo caminho antes que se possa olhar para o horizonte de longo prazo com a segurança do crescimento sustentável.

O caso do status de ministro

O ministro relator da ação direta de constitucionalidade impetrada pelo PSDB contra a medida provisória que elevou o presidente do Banco Central foi ele mesmo beneficiado por uma proposta do governo do PSDB, que elevava o nível do cargo que ocupava. Gilmar Mendes era advogado-geral da União quando o governo Fernando Henrique elevou-o a ministro para que ele tivesse foro privilegiado.

Na época, o ministro Marco Aurélio, que está com o pedido do procurador-geral da República para início de inquérito contra Henrique Meirelles, votou contra a elevação do nível do chefe da AGU. Argumentou que a Constituição diz que ministros é que são julgados pelo Supremo. Dentro dessa lógica, mais razão ainda teria o ministro para manter o voto agora negando o foro privilegiado: ¿O Banco Central é uma autarquia e não há razão para que o chefe de uma autarquia submetido a um ministério tenha o mesmo status que o seu chefe; no caso, o ministro¿, diz um jurista. Outro que votou contra foi o ministro Celso de Mello. Mas essa interpretação não foi majoritária.

USAMOS ontem aqui a palavra ¿aidético¿ para definir os portadores do vírus HIV. Aprendemos com um leitor que esse termo é considerado pejorativo. Nossas desculpas a todos e o compromisso de pôr a lição em prática na coluna e não usar mais a palavra.