Título: IMPRENSA INTERNACIONAL FAZ DURAS CRÍTICAS AO PONTÍFICE
Autor: Deborah Berlinck, Monica Yanakiew, Gina A. Marques
Fonte: O Globo, 21/04/2005, Especial, p. 1

Joseph Ratzinger é chamado de `rottweiler de Deus¿ em alusão a seu conservadorismo

De forma inédita, boa parte da imprensa internacional se mostrou bastante crítica ontem ao noticiar a eleição do cardeal alemão Joseph Ratzinger, o Papa Bento XVI. O conservadorismo do novo Pontífice foi a mais destacada de suas características. Expressões como ¿rottweiler de Deus¿, ¿pastor alemão¿ e ¿cardeal Panzer¿ foram usadas por alguns dos principais jornais do mundo. Sua aproximação com o movimento católico ultraconservador Opus Dei e o fato de ter pertencido à juventude hitlerista na adolescência (ainda que compulsoriamente) também mereceram grande destaque.

¿O rottweiler de Deus é o novo Papa¿ foi o título de uma reportagem do jornal britânico ¿Daily Telegraph¿, numa referência à agressividade dessa raça de cachorros, mas também numa alusão ao apelido que a princesa Diana pôs em sua rival, a atual mulher do príncipe Charles, Camilla Parker-Bowles. O italiano ¿Il Manifesto¿ chamou o novo Papa de ¿pastor alemão¿.

Europeus destacam `cardeal Panzer¿

Em muitos jornais europeus, a referência ao conservadorismo de Ratzinger foi relacionada a sentimentos anti-germânicos que remontam à Segunda Guerra Mundial. Foi o caso do britânico ¿Daily Mirror¿ e do francês ¿Le Parisien¿, que usaram a expressão ¿cardeal Panzer¿. O jornal norueguês ¿Dagbladet¿ também apostou nesta imagem em seu título: ¿Uma rápida vitória para o Papa Panzer¿.

Diversos jornais europeus publicaram com grande destaque o fato de Ratzinger ter pertencido à juventude hitlerista em 1941, quando tinha 14 anos. ¿Da juventude hitlerista a homem forte do Vaticano¿, apontou o britânico ¿Daily Mail¿. A menção também surgiu no tablóide ¿The Sun¿, que estampou ¿Papa Ratzi¿, e no jornal alemão ¿Algemeen Dagblad¿ em sua primeira página: ¿De Hitler à Santa Sé¿. Já o tablóide alemão de maior circulação, o ¿Bild¿, comemorou com estardalhaço a eleição de um papa de seu país: ¿Somos Papa!¿

Mas a adolescência de Bento XVI também foi lembrada em Israel, onde o liberal ¿Yediot Ahronot¿ escreveu: ¿Fumaça branca, passado negro¿. O ¿Jerusalem Post¿, no entanto, aposta que o fato de ser alemão fará de Ratzinger um Papa extremamente sensível aos judeus e que sua estreita ligação com João Paulo II será igualmente positiva para Israel.

Menos empolgados se mostraram os editorialistas da Turquia, ofendidos desde que Ratzinger recomendou a não inclusão do país na União Européia sob a alegação de que a Europa é de maioria cristã. ¿O novo Papa é contra a Turquia¿, cravou o ¿Radikal¿ numa manchete, enquanto outros jornais se referiram a ele como ¿um inimigo da Turquia¿.

Num tom igualmente crítico, o periódico português ¿A Capital¿ estampou em sua primeira página ¿A hora do Opus Dei¿, numa referência às ligações do Papa com o movimento ultraconservador católico. ¿O inquisidor dos tempos modernos¿ era o título de uma das principais matérias, que destacava o papel de Ratzinger frente à Congregação para a Doutrina da Fé (o antigo Santo Ofício, que comandava a Inquisição).

Usando títulos menos bombásticos, outros jornais destacaram o conservadorismo de Ratzinger em manchetes que o chamaram de ¿o guardião da doutrina¿ e ¿apóstolo da ortodoxia¿, caso do espanhol ¿El Pais¿. O diário italiano ¿La Repubblica¿ o classificou como ¿um guerreiro para desafiar a modernidade¿.

Na América Latina, mais críticas

Outros jornais destacaram a idade avançada do novo Papa, que tem 78 anos, como um forte indicativo de que a Igreja teria optado por um pontífice de transição. ¿Os cardeais não querem outro pontificado longo¿, sustentou o sueco ¿Dagens Nyheter¿, enquanto o suíço ¿Tagesanzeiger¿ usou no título: ¿Um Papa de transição germânico¿.

Ainda chorando a morte de João Paulo II, os jornais poloneses deram mais ênfase ao fato de a eleição de Ratzinger representar uma continuidade do legado de Wojtyla. O tablóide ¿Super Express¿ colocou em sua manchete ¿Bem vindo, Padre¿, enquanto o conservador ¿Rzeczpospolita¿ saudou: ¿Viva o Papa Joseph Ratzinger¿.

O ¿New York Times¿ optou por uma manchete bem neutra: ¿Cardeal alemão é eleito Papa.¿ Mas, em seu editorial, sublinhou o conservadorismo de Bento XVI: ¿Não há razão para esperar nenhuma mudança de curso na Igreja no que diz respeito a temas como o controle da natalidade, o celibato clerical ou a homossexualidade.¿

Também nos Estados Unidos, o ¿Christian Science Monitor¿ apostou na manchete ¿Um Papa conservador¿. Por sua vez, o ¿Washington Post¿ chamou Ratzinger de ¿guardião de sua fé¿, enquanto o ¿Washington Times¿ estampou: ¿O novo Pontífice leal à teologia da Igreja¿.

Na América Latina, onde vive a metade dos católicos do mundo, a reação da imprensa frente à eleição do cardeal alemão foi também de crítica. Ratzinger foi um dos principais responsáveis por silenciar a Teologia da Libertação, movimento católico progressista que ganhou força na região sobretudo face às diversas ditaduras locais.

O mexicano ¿La Jornada¿ deu grande destaque ao papel persecutório assumido por Ratzinger em relação aos padres ligados ao movimento, destacando a ¿eleição de um Papa linha-dura, que aplicou mão-de-ferro na defesa da doutrina eclesiástica e contra os teólogos críticos¿.

O ¿El Nacional¿, da Venezuela, refletiu o desapontamento do continente, destacando a eleição de mais um papa europeu com pouca simpatia com os reformistas latino-americanos.

Na Argentina, o ¿Clarín¿ definiu Ratzinger como ¿um fiel defensor da ortodoxia¿. O ¿Página/12¿, no entanto, foi bastante irônico ao criticar a eleição do alemão: ¿Que Deus os perdoe¿, sustentou o periódico, que é conhecido por sua irreverência. O jornal acrescentou ainda que Bento XVI é a cabeça ultraconservadora da Igreja. E comparou: ¿É como se Donald Rumsfeld (secretário de Defesa dos EUA) tivesse sido eleito presidente dos Estados Unidos.¿

No mundo árabe, o periódico libanês pró-Síria ¿As-Safir¿ também não poupou críticas ao novo Papa: ¿O conservador Ratzinger leva a Igreja ao fanatismo ideológico.¿