Título: PROMESSA DE CONCILIAÇÃO
Autor: Deborah Berlinck, Monica Yanakiew, Gina A. Marques
Fonte: O Globo, 21/04/2005, Especial, p. 1

Em sua primeira missa, Bento XVI deixa claro que vai seguir os passos de seu antecessor, indicando objetivos comuns, como o diálogo com outras religiões e a união de todos os cristãos. O novo Papa procura se mostrar aberto e afetuoso, e afirma que não se sente apto para liderar a Igreja Católica

Em sua primeira missa ¿ rezada em latim, na Capela Sistina ¿ o Papa Bento XVI prometeu ontem continuar o trabalho de João Paulo II, um dos pontífices mais populares da História do Vaticano, num esforço para afastar temores de que governe a Igreja Católica com mão de ferro. Disse que quer unificar os cristãos e dialogar com outras religiões, mas a primeira surpresa veio logo no início da homilia, quando o Pontífice ¿ que passava uma imagem de teólogo rigoroso e seguro de si ¿ confessou não se sentir apto para o papado:

¿ Na minha alma convivem nesta hora dois sentimentos contrastantes. Por um lado, um senso de inadequação e conturbação humana em relação à responsabilidade que me foi dada ontem (terça-feira). Por outro, sinto viva em mim uma profunda gratidão a Deus, que não abandona seus seguidores e sempre os guia ¿ afirmou.

Ele disse ainda:

¿ Surpreendendo minha previsão, a Providência Divina, através do voto dos veneráveis cardeais, chamou-me a suceder este grande Papa (João Paulo II). Se é enorme o peso da responsabilidade que é colocada sobre meus pobres ombros, é certamente muito grande o poder divino com o qual posso contar.

O novo Papa mencionou o nome de João Paulo II dez vezes na homilia, referindo-se a ele como ¿amado e venerado antecessor¿.

¿ Nestes momentos, tenho a impressão de sentir sua mão forte apertando a minha, seu olhar sorridente e suas palavras dirigidas especialmente a mim: ¿Não tenha medo¿ ¿ afirmou, citando uma célebre frase que João Paulo II dirigiu aos fiéis no início de seu pontificado.

`Não me vejo onde estou¿, diz o Papa

A homilia de Bento XVI coincidiu em muitos pontos com a primeira mensagem de João Paulo II , há 26 anos, a começar pelo que seria o principal objetivo de seu pontificado: o diálogo entre católicos, protestantes e ortodoxos. Se no passado Joseph Ratzinger irritou outras igrejas cristãs ao considerá-las incompletas, ontem ele defendeu o diálogo entre as religiões, como fazia seu antecessor:

¿ Dirijo-me a todos, também àqueles que seguem outras religiões ou buscam simplesmente uma resposta às perguntas fundamentais da existência e todavia não as encontraram ¿ afirmou. ¿ Dirijo-me a todos com simplicidade e afeto, para assegurar que a Igreja quer continuar a manter com eles um diálogo aberto e sincero, na busca do verdadeiro bem para o homem e a sociedade.

Como João Paulo II, o novo Papa enfatizou que vai aplicar os princípios do Concílio Vaticano II e fez referências aos jovens, com os quais se encontrará em agosto, na Jornada Mundial da Juventude, em sua terra natal, a Alemanha. Conhecido por sua austeridade, Bento XVI se esforçou para mostrar um lado afetuoso e aberto na missa matinal de uma hora e meia. Antes, num encontro informal com padres no Vaticano, afirmou, sorrindo:

¿ Não me vejo onde estou.

À tarde, a caminho de sua antiga casa, beijou uma menina na rua, pôs a mão sobre a cabeça de outras crianças e cumprimentou turistas e fiéis que gritavam: ¿Viva o Papa!¿

¿ De certa forma, ele foi libertado ¿ comentou o padre Joseph Augustine Di Noia, que trabalhou com Ratzinger.

Para o cardeal espanhol Carlos Amigo Vallejo, é uma questão de tempo para as pessoas descobrirem o verdadeiro Papa:

¿ Você verá como a personalidade dele vai surpreender muitos.