Título: `TEMO UM FUNDAMENTALISMO¿
Autor: Deborah Berlinck, Monica Yanakiew, Gina A. Marques
Fonte: O Globo, 21/04/2005, Especial, p. 6

O escritor e frade dominicano Frei Betto teme que o novo Papa, Bento XVI, promova uma era de fundamentalismo católico, ¿com fogueiras virtuais de Inquisição¿, com acusações de heresia, como acontecia no século XIX, com Pio IX, que chegou a condenar a luz elétrica. Em entrevista ao GLOBO, concedida por e-mail, Frei Betto, que foi assessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, faz duras críticas a Joseph Ratzinger e afirma temer que ele reforce o conservadorismo, promovendo a bispos padres reacionários e medíocres do Brasil.

Com Ratzinger, a Igreja se afasta dos pobres?

FREI BETTO: Espero que não. Porém, não poderia dizer que a Igreja Católica, em seu conjunto, está com os pobres, como exige Jesus. A inquietação do cardeal Ratzinger era ver os templos da Europa mais repletos de turistas que de fiéis. Se tivesse olhos para os países do Terceiro Mundo, veria o contrário. Fora dos pobres, a Igreja não tem salvação. E se a Igreja Católica lhes fecha as portas, eles vão a outras Igrejas.

O senhor teme que o novo Papa adote procedimentos já superados, como uma espécie de index do que é proibido?

FREI BETTO: Temo, porque enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o ex-Santo Ofício, o cardeal Ratzinger esteve mais próximo do Grande Inquisidor (vide o caso Leonardo Boff) do que da misericórdia de Jesus. Não gostei do sermão da missa de abertura do conclave, no qual o cardeal Ratzinger explicitou sua autocandidatura. Ali ele condena tudo que na cultura moderna não tem cheiro de água benta: marxismo, liberalismo, agnosticismo, ateísmo, até o sincretismo ¿ que é uma característica da religiosidade que se respira no Vaticano. O título Sumo Pontífice era aplicado ao imperador romano antes da existência do papado.

Como fica a situação das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e das pastorais que têm a orientação da teologia da libertação?

FREI BETTO: Em princípio tudo segue como sempre, pois graças a Deus a Igreja comporta a diversidade pastoral. A menos que o Papa se revele um ferrenho integrista e decida passar por cima de conferências episcopais, de planos nacionais de pastoral, e retroceda a Igreja aos tempos em que padre andava de batina e missa era em latim. Então as Igrejas evangélicas haverão de lhe cantar ¿aleluias¿.

Qual o efeito que Ratzinger já causou na Igreja, dentro do Brasil?

FREI BETTO: Foi ele quem induziu João Paulo II a, na primeira metade dos anos 1980, emitir dois documentos censurando a teologia da libertação. O curioso é que os temas abordados pela teologia da libertação ¿ dívida externa, neocolonialismo, neoliberalismo etc. ¿ tornaram-se freqüentes nos últimos anos do pontificado de Wojtyla.

A Arquidiocese de São Paulo teria sido subdivida em represália e/ou para reduzir o poder de Dom Paulo Evaristo Arns, que dava abrigo à esquerda? FREI BETTO: Dom Paulo foi vítima de uma conspiração vaticana por sua atitude profética de defesa dos direitos humanos e opção pelos pobres. Dividiram-lhe a diocese sob pretexto de ser demasiadamente grande, mas não aplicaram o mesmo critério à Cidade do México. Raros são os cardeais brasileiros que passarão à História como Dom Paulo. Este, sim, teve mais fé do que medo.

Entre os bispos brasileiros, quem deve ficar em alta e quem pode ficar em baixa com relação ao Vaticano?

FREI BETTO: É difícil prever, mas com certeza o Papa tornará nosso episcopado mais conservador, nomeando padres reacionários, medíocres, sem preparo intelectual e pastoral, para serem bispos.

O senhor vê riscos de o novo Papa criar barreiras com as outras religiões?

FREI BETTO: Sim, já que em 2001 ele enfatizou que todas as religiões são imperfeitas, exceto a católica. Temo um fundamentalismo católico, com fogueiras virtuais de Inquisição e muitos sendo acusados de heresia, como ocorreu no século XIX, quando Pio IX chegou ao ridículo de condenar o Estado laico, o progresso e até a luz elétrica!