Título: Lula envia avião para Gutiérrez
Autor: Eliane Araújo e Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 22/04/2005, Economia, p. 20

Casa do embaixador brasileiro é cercada e governo negocia salvo-conduto para retirar ex-presidente

Uma verdadeira operação de resgate foi montada pelo Brasil para dar asilo ao presidente deposto do Equador, o coronel da reserva Lucio Gutiérrez. A operação começou às 15h de quarta-feira e até a noite de ontem continuava sendo negociada pelo embaixador do Brasil em Quito, Sergio Florêncio. Segundo admitiu Florêncio, Gutiérrez telefonou para a embaixada na tarde de quarta-feira visivelmente nervoso e solicitou asilo ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após realizar algumas consultas, o embaixador se comunicou com Gutiérrez e informou-lhe que o pedido havia sido concedido. No entanto, até ontem continuava faltando a liberação do salvo-conduto, que já fora prometido pelo novo governo equatoriano, para que Gutiérrez, há dois dias na residência do embaixadador, pudesse embarcar rumo ao Brasil. Enquanto as negociações prosseguiam, manifestantes protestavam em frente à casa onde ele está refugiado contra a concessão do asilo.

Um avião da Força Aérea Brasileira aguardava em Rio Branco, no Acre, o sinal verde do governo equatoriano para seguir para Quito. O objetivo do salvo-conduto, explicou o embaixador brasileiro, é proteger a integridade física do ex-presidente no transporte para o Aeroporto Internacional Mariscal Sucre, na capital equatoriana.

¿ O salvo-conduto assegura que o asilado diplomático contará com a aprovação dos dois Estados para sair de um país e entrar no outro ¿ explicou Florêncio.

O assunto tomou praticamente todo o dia do presidente Lula, que determinou ao ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que telefonasse para todos os chanceleres da América do Sul. A estratégia brasileira rendeu rápidos resultados, já que a Comunidade Sul-Americana de Nações decidiu enviar ao Equador uma missão composta pelos chanceleres de Brasil, Peru e Bolívia e também por um representante da Argentina, para dialogar com as forças políticas e tentar ajudar a normalizar a situação. Um comunicado da Comunidade Sul-Americana afirma ¿a profunda preocupação com a sucessiva deterioração da constitucionalidade e institucionalidade democrática no Equador¿. Segundo o Itamaraty, ainda não há data para o envio da missão.

Destino final no Brasil ainda é ignorado

Em meio às críticas feitas ao Brasil pela decisão do governo Lula de conceder asilo a Gutiérrez, o embaixador brasileiro em Quito alegou que não se trata de uma ingerência política.

¿ O asilo é um instrumento jurídico, não político. Não significa um juízo de valor. O objetivo do Brasil foi contribuir para um processo de paz social ¿ enfatizou Florêncio.

Perguntado sobre a ordem de detenção do ex-presidente anunciada quarta-feira pela procuradora-geral do país, Cecilia Armas, o embaixador brasileiro defendeu a posição brasileira.

¿ Não existia um julgamento no momento em que foi concedido o asilo ¿ assegurou.

Gutiérrez foi informado que, ao chegar ao Brasil, receberá uma carteira de identidade e a permissão para residir no país por dois anos, prazo que pode ser renovado. A principal condição é que o ex-presidente não se envolva em atividades políticas. A princípio, o governo brasileiro dará uma ajuda de custo temporária para que o equatoriano possa se manter por algum tempo. Ele chegará ao país acompanhado da mulher, Ximena, e das filhas, Carina e Viviana, de 15 e 20 anos. Ontem, apenas o ex-presidente estava na residência do embaixador, no bairro de La Floresta, em Quito. A mulher e as filhas aguardavam o salvo-conduto em sua residência particular.

¿ Hoje (ontem) ele está mais tranqüilo, porque ontem estava muito abalado. Conversou, alimentou-se e espera uma decisão do governo equatoriano. Nós conversamos com autoridades, como o novo chanceler, e a reação foi positiva ¿ comentou o embaixador.

Segundo fontes do Itamaraty, entre as razões para conceder o asilo está o fato de os brasileiros serem signatários da Convenção sobre Asilo Diplomático da Organização dos Estados Americanos.

Florêncio disse que o ex-presidente está inconformado com o fato de o Congresso ter decretado a vacância do cargo. Mas foi orientado a não falar com a imprensa, uma das regras previstas no asilo diplomático. Gutiérrez irá para Brasília, mas seu destino final no país era ignorado. Em 1980, ele fez um curso na Escola de Educação Física do Exército, no Rio de Janeiro.

* Enviada especial a Quito

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