Título: AMORIM: DEPOSIÇÃO FOI ILEGAL
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 23/04/2005, O Mundo, p. 25

Chanceler diz que asilo não significa apoio a presidente afastado

SÃO PAULO. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem considerar inconstitucional a deposição do presidente do Equador, Lucio Gutiérrez, por deputados. Para o chanceler, a forma como o presidente equatoriano teve de deixar o governo não está de acordo com a Constituição daquele país.

¿ A análise que faço é que (a deposição) não foi de acordo com o texto da Constituição. O que vou dizer não justifica o que aconteceu, mas serve para contextualizar. Havia uma fragilidade e um enfraquecimento constitucional no Equador que, de certo modo, facilitou para que tudo isso acontecesse ¿ afirmou Amorim.

Segundo o chanceler, o fato de o governo brasileiro conceder asilo político ao presidente deposto não significa ¿apoio, simpatia ou preferência¿ do Brasil em relação a ele. Amorim deixou claro que o asilo não tem como objetivo ¿proteger uma pessoa por motivos políticos¿, mas ¿contribuir para a paz social no país¿.

¿ Às vezes a presença continuada de uma pessoa (em seu país) é até um foco de constante agitação e rebelião ¿ disse.

Gutiérrez poderá morar em casa do governo brasileiro

O ministro pretende ir a Quito em breve, com autoridades de Peru, Bolívia e Argentina, numa missão da Comunidade Sul-Americana de Nações, para tentar contornar a crise política e institucional no Equador. Segundo ele, Gutiérrez, na condição de asilado, poderá morar numa casa do governo brasileiro em Brasília ¿por um tempo razoável¿.

Perguntado sobre a percepção de equatorianos de que com o asilo o Brasil poderá garantir a impunidade a Gutiérrez, Amorim desconversou.

Em meio a especulações de que o governo brasileiro teria se atrapalhado e antecipado o envio de um avião para buscar Gutiérrez antes que o governo daquele país emitisse um salvo-conduto, Amorim disse que seria mais interessante ter um avião perto do Equador para que pudesse agir com rapidez.

¿ Não houve trapalhada alguma. O que acontece é que essas situações são complexas. O que eles (autoridades equatorianas) têm dito é que o momento é muito difícil, há muita comoção nas ruas e que talvez o salvo-conduto num primeiro momento podesse provocar uma maior convulsão social. Claro que entendemos que a demora também tem um efeito negativo ¿ disse.

Ele acrescentou:

¿ Foi pedida a permissão para o pouso do avião brasileiro em Quito e havia expectativa de que o avião pudesse ir para o Equador. E quando isso ficou claro, quando se falou que o salvo-conduto seria dado, houve uma reconsideração do assunto, creio que em função de segurança do aeroporto ¿ afirmou.

O chanceler disse, porém, estar ¿seguro de que ele (Gutiérrez) virá¿.

Amorim não quis declarar se apóia ou não o presidente do Equador. Segundo ele, o Brasil não tem doutrina de reconhecimento de governos.

¿ Dialogamos com a autoridade que tem efetivo controle sobre o território e a população. O Brasil reconhece Estados, não governos.

Ele também negou que o Brasil esteja interferindo em assuntos internos do Equador ao conceder asilo a Gutiérrez.

¿ Nunca vemos o Brasil ameaçando usar sanções econômicas ou colocar efetivo militar para ameaçar governos de outros países ¿ disse, assinalando que a posição do Brasil em relação à crise no Equador é fraterna, e não intervencionista.

No Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou boa parte do dia tratando da questão do asilo, em contatos com Amorim e com o embaixador do Brasil em Quito, Sergio Florêncio.