Título: PERDA DE BILHÕES: Tirando da pobreza
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 24/04/2005, O País, p. 3

Em quatro anos, R$3,2 bi do Fundo de Combate à Pobreza foram usados para fazer superávit

Nos últimos quatro anos, o governo federal deixou de gastar cerca de R$3,2 bilhões do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, criado em julho de 2001 para garantir investimentos adicionais em ações de nutrição, habitação, saúde, educação e reforço da renda familiar. Este montante teve grande serventia para a política econômica: ajudou o governo a fazer o superávit primário. Os R$3,2 bilhões representam 20% dos R$15,2 bilhões efetivamente gastos com recursos do fundo neste período.

O dinheiro seria suficiente para pagar 3,8 milhões de Bolsas Famílias durante um ano, no valor médio de R$70 por família. Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do governo federal (Siafi), registrados em 20 de abril, mostravam uma disponibilidade de R$3,171 bilhões em recursos do Fundo de Combate à Pobreza na coordenação-geral de Programação Financeira da Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda.

PPS deve recorrer ao Supremo

Um levantamento feito pelos gabinetes do deputado federal Eduardo Paes (PSDB-RJ) e do deputado distrital Augusto Carvalho (PPS-DF) mostra que essa disponibilidade em saldo dos recursos do Fundo de Combate à Pobreza tem aumentado ano a ano desde 2001. Enquanto no governo Fernando Henrique a disponibilidade terminou em R$2,05 bilhões, no primeiro ano do governo Lula esse valor cresceu cerca de 50% e fechou 2003 com recursos não aplicados de R$3,06 bilhões.

¿ O fundo foi criado como um instrumento para financiar programas na área social. Mas o levantamento mostra que os recursos estão sendo desviados da atividade-fim para o governo fechar as contas de superávit primário. Isso é inaceitável ¿ diz Eduardo Paes.

Augusto Carvalho informa que o PPS deve entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal para tentar impedir o desvio de recursos do fundo.

¿ Vamos entrar com uma ação no STF para obrigar o governo a cumprir o que foi estabelecido na lei que criou o fundo. Não podemos aceitar que, a cada ano, o governo use o dinheiro da área social para ajudar a fechar as contas do Tesouro, já que a disponibilidade dos recursos está aumentando ¿ criticou o deputado distrital.

O levantamento mostra que, em 2004, houve maior eficiência no uso dos recursos do fundo. Mesmo assim, segundo dados do Siafi, apesar de um gasto total de R$6,04 bilhões do fundo, o ano fechou com uma sobra de recursos de R$2,88 bilhões. Os órgãos que mais receberam dinheiro do fundo foram o Ministério do Desenvolvimento Social (R$3,5 bilhões), a Presidência da República (R$894 milhões) e o Ministério da Educação (R$731 milhões).

Bolsa Família ficou com 60% da verba

O programa Bolsa Família, que unificou os programas de transferência de renda (Bolsa Escola, Cartão Alimentação e Vale Gás), ficou com 60% dos recursos. Já o programa Brasil Escolarizado, que distribui merenda escolar, ficou com 11% dos recursos do fundo.

¿ Isso significa que, apesar de o governo ter o objetivo de gastar mais em transferências para a área social, poderia ter gastado muito mais. O que não é aplicado e fica parado é sinônimo de superávit primário. A disponibilidade é uma sobra meramente contábil. Como o governo não tem a exigência de gastar, deixa o dinheiro parado ¿ explica o economista Raul Veloso, especialista em contas públicas, que afirma que esta sobra de recursos é resultado de muita fonte carimbada para a área social.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, explica que já em 2004 houve um esforço do governo para regularizar a situação. Mas reconhece que o dinheiro que não foi gasto do Fundo de Combate à Pobreza entrou para a contabilidade do governo.

¿ O dinheiro que deixou de ser gasto acabou ajudando no esforço fiscal do governo ¿ afirma o ministro do Planejamento.

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, diz que, nos dois primeiros anos de existência do fundo, os recursos foram acumulados em cerca de R$2 bilhões porque, provavelmente, as despesas estavam sendo criadas. Já em 2003, explica Levy, a arrecadação acabou sendo maior do que a previsão inicial que constava no Orçamento. Portanto, afirma o secretário, o planejamento do gasto foi menor do que o dinheiro acumulado no Fundo de Combate à Pobreza.

Valor perdido não será recuperado

Segundo o secretário do Tesouro, esse descompasso desapareceu em 2004. Ele diz que houve um planejamento mais eficiente, tanto que chegou a ser feita uma compensação do ano anterior, totalizando gastos de mais de R$6 bilhões. Mas Levy admite que o valor que deixou de ser gasto nos anos anteriores não pode mais ser recuperado, pois pode provocar um aumento da dívida.

¿ Essa sobra dos anos anteriores é indiferente e irrelevante para efeito de administração fiscal. Isso porque se transformou em saldo financeiro. Não temos muito o que fazer. Gastar a sobra é a mesma coisa que aumentar a dívida. Mas posso garantir que o fluxo do Fundo de Combate à Pobreza já está normalizado e a arrecadação deste ano será igual ao gasto ¿ observou o secretário.