Título: QUEREM A CENSURA PRÉVIA NOS LIVROS!
Autor: José Carlos Bruzzi Castello
Fonte: O Globo, 24/04/2005, Opinião, p. 7

Como quem não quer nada, mas querendo muito mandar, o pensamento autoritário, que não tem face nem carteira de identidade, conseguiu plantar e aprovar no novo Código Civil um artigo que implicaria, conforme a sua interpretação, a censura prévia de livros por parte de suas próprias editoras. Diz o seu art. 20: ¿Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.¿

A ditadura civil, as estruturas estatais que não respeitam as garantias e os direitos individuais constitucionais, os seus membros autoritários, então armados com o dispositivo acima transcrito, querem que as editoras de livros passem a se responsabilizar por perdas e danos, materiais e morais, solidariamente com o autor do livro que publica, tentando assim transferir a terceiros o ônus da censura prévia de obras intelectuais.

Evidentemente, o referido dispositivo apenas pode ser aplicado para graves casos de crimes contra a honra, injúria, calúnia e difamação, ou danos morais por deliberada ofensa, mas nunca os depoimentos, os testemunhos, a transmissão de experiências negativas e positivas, que interessem à melhoria da sociedade brasileira.

Entretanto, embora esse artigo possa ensejar até a apreensão de edições de livros que veiculem crimes, ou deliberadas ofensas morais, eis que a publicação de obras literárias não se trata de direito absoluto, não pode alcançar e criar a responsabilidade civil de editores de livros, uma vez que essa atividade apenas instrumenta um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: a constituição de uma sociedade livre.

Não se pode censurar previamente obras culturais, nem transferir essa censura para os editores de livros, tendo em vista as garantias de que é livre a manifestação do pensamento e a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, segundo a Constituição federal.

Quando uma editora de livros contrata a impressão, divulgação e distribuição/venda de livros, a mesma apenas se constitui em veículo da livre manifestação do pensamento, sobre o qual, nos seus possíveis excessos, responderá apenas o autor da obra. Do contrário, seria como se alguém enviasse uma carta ofensiva a outra pessoa, e esta processasse, civil e criminalmente, o ofensor, então a Empresa de Correios e Telégrafos!

Da mesma forma que o Correio apenas leva comunicações entre pessoas, sem se vincular ao que está escrito nas suas mensagens, a editora de livros, com autor identificado no seu texto, nada mais faz do que transmitir o pensamento de alguém em sua liberdade prevista constitucionalmente. E não se vai responsabilizar civilmente a editora apenas por isso, nem a empresa que lhe fornece a tinta ou o papel empregados na impressão, ou a empresa que entrega os seus livros nas livrarias, muito menos as livrarias que revendem esses livros, pois nenhum desses partícipes dessa linha de distribuição concebera o escrito que vai no livro, nem perfilhara os pensamentos nele contidos.

Tanto assim que o autor é o único que pode explorar a sua obra, por isso também apenas ele responde por ela, perante terceiros, não a editora dos seus exemplares. Diz o artigo 49 da Lei de Liberdade de Manifestação do Pensamento, não revogada pelo artigo 20 do atual Código Civil: ¿Aquele que, no exercício da liberdade de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar: ...se a violação ocorre mediante publicação de impresso não periódico, responde pela reparação do dano: o autor do escrito, se nele indicado; ou a pessoa natural ou jurídica que explora a oficina impressora, se do impresso não constar o nome do autor.¿

É preciso que a sociedade fique bem atenta a qualquer iniciativa de autoritarismo ¿ de pessoas que pretendem mandar em todas as outras, para manietar ou intimidar os que editam livros. Uma editora não pode ser responsabilizada civilmente pelo conteúdo literário, verídico, inverídico, ficcional ou histórico, de um livro que publica, que tenha autor conhecido e identificado. Que se cumpram as garantias constitucionais.

JOSÉ CARLOS BRUZZI CASTELLO é advogado.