Título: FARSA NA JUSTIÇA: OAB SUSPENDE ADVOGADO POR FRAUDE CONTRA TRABALHADOR
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 24/04/2005, Economia, p. 29

Juiz do Trabalho: essas ações no Rio são apenas a ponta de um `iceberg¿

Serviços, transporte e comércio de alimentos somam 53% das denúncias

As quase 300 investigações em andamento no Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro são apenas a ponta do iceberg, afirma o juiz titular da 48ª Vara do Trabalho do Rio, Cláudio Olimpio Lemos de Carvalho. Ele diz ainda que há casos em que vê a fraude acontecer sob seus olhos:

¿ A grande questão é que não temos idéia do tamanho do problema. É como droga em aeroporto. Faz-se a apreensão, mas não se é capaz de pegar tudo.

A simulação de litígio judicial tem uma face mais cruel, segundo o magistrado: o trabalhador, desempregado, aceita o acordo prejudicial para receber parte das verbas rescisórias e o seguro-desemprego, e poder retirar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

¿ Já houve casos, em que percebi a farsa. Não homologuei o acordo e o trabalhador saiu aos prantos. Fico me perguntando, o que faço, que país é esse? Mas o juiz tem que enfrentar essa fraude.

MP: ¿Acordo com valor abissalmente inferior¿

Segundo Carvalho, os indícios de que há litígio simulado começam a aparecer quando o acordo chega fechado na audiência. A falta de intimidade entre trabalhador e advogado é outro sinal. A partir daí, o juiz verifica se o valor acordado cobre, ao menos, a rescisão:

¿ Nesse caso, quando o valor é muito baixo, não homologamos o acordo e mandamos denúncia ao Ministério Público do Trabalho, ao Ministério Público Federal e à OAB, por patrocínio infiel (advogar contra seu cliente).

Segundo a procuradora do Trabalho Junia Raymundo, outro indício é o número grande de acordos. Ela conta que uma empresa de transporte tinha 285 ações trabalhistas ajuizadas. Num levantamento em 38 processos, a fraude foi flagrada.

¿ Em 30 ações, foi feito acordo com o mesmo advogado.

Na Procuradoria do Rio, as queixas se concentram nos setores de serviços, comércio de alimentos e transporte, que respondem por 53% das investigações. Mas, segundo o juiz Carvalho, essa fraude se espalha por todos os setores.

Farsa complica trabalho dos bons advogados, diz OAB

Um dos processos na Procuradoria refere-se à empresa Prata Ambiental Construções Ltda (cujo setor responde por 8% dos inquéritos). A denúncia foi feita pela Justiça do Trabalho de Nova Iguaçu.

Em oito ofícios, os juízes relataram que os trabalhadores não conheciam o advogado e tinham assinado procuração apresentada pela empresa. O advogado da firma, Rodrigo Gatto, disse que está negociando acordo com a Procuradoria, comprometendo-se a não fazer mais rescisões trabalhistas na Justiça. E, segundo o advogado, isso aconteceu por dificuldade de pagamento da verba rescisória à época das demissões.

A DGM Eletrodomésticos não tem mais essa opção. O procurador Rodrigo Carelli entrou com ação civil pública contra a empresa pela prática de lide simulada. Trabalhadores denunciaram que, ao fechar algumas lojas, a empresa mandou que os ex-empregados procurassem uma advogada para receber a rescisão.

¿Em todos (processos citados na ação), homologou-se acordo com valor abissalmente inferior ao devido pela ré¿, diz o procurador, na ação.

Dono da empresa, César Garcia Mello nega qualquer fraude. Ele diz que algumas lojas se transformaram em franquias, o que motivou as demissões:

¿ Já foram demitidas mais de cem pessoas e houve apenas oito ações trabalhistas.

Na OAB não há um levantamento específico sobre litígio simulado, mas Ercílio Bezerra, secretário-geral adjunto da OAB - Conselho Federal, garante que a freqüência desse tipo de delito entre os advogados é muito grande. Na última semana, um profissional foi suspenso pela prática de lide simulada.

¿ As empresas querem fugir da incidência das verbas trabalhistas ¿ diz Bezerra.

Segundo ele, esse delito vem crescendo conforme aumentam as demandas trabalhistas. A prática fraudulenta, acrescenta o secretário-geral, tem dificultado o trabalho dos bons advogados. Ele diz que a Justiça do Trabalho tem exigido a assinatura do reclamante nos processos:

¿ Isso acaba cerceando o trabalho do bom advogado.