Título: FARSA NA JUSTIÇA: Golpe contra o trabalhador
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 24/04/2005, Economia, p. 29

Procuradoria investiga 270 empresas do Rio suspeitas de fraude em ações trabalhistas

Lide simulada. Litígio simulado. Ação forjada. Fraude. O nome esquisito do início do texto identifica uma farsa que vem se espalhando pelos corredores dos tribunais. O Ministério Público do Trabalho investiga 270 empresas do Rio por forjarem ações de ex-trabalhadores na Justiça, buscando reduzir as verbas rescisórias (férias, décimo terceiro salário e indenização de 40% sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS) e conseguir uma quitação geral, o que impedirá o trabalhador de processar a empresa novamente por direitos desrespeitados durante o tempo na firma.

Não há uma estimativa precisa do tamanho da perda do trabalhador com essa fraude, mas já houve casos de o acordo proposto pela empresa se limitar às guias para retirada do saldo do FGTS e para requerer seguro-desemprego. Segundo a procuradora do Trabalho Junia Bonfante Raymundo, o ex-empregado acaba aceitando a situação por ignorância ou por ser a única forma de receber o dinheiro logo:

¿ Ele está desempregado e precisa do dinheiro. Acaba aceitando a fraude. E entupindo a Justiça do Trabalho com processos que poderiam não existir.

Juízes identificam fraude com advogados na própria audiência

Mas a ingenuidade do trabalhador tem ajudado os juízes a identificarem a fraude quando os acordos são levados à Justiça para homologação. Algumas vezes, na própria audiência, o trabalhador indica o advogado da empresa como seu representante. Segundo o MP, já houve casos em que o endereço do advogado da empresa e o do empregado eram o mesmo.

¿ A maioria (57%) das denúncias é de juízes, que identificam a fraude na audiência ¿ diz a procuradora.

Mas a denúncia do advogado Vitor Cesar Lourenço Ferreira fez o Ministério Público acompanhar as audiências da Distribuidora Oeste de Bebidas e evitar que os acordos gerassem uma quitação geral para a empresa de débitos trabalhistas reivindicados na Justiça. Segundo João Cavalcante Santos, ex-vendedor por dez anos da distribuidora que foi vendida para a AmBev, cerca de 30 funcionários foram reunidos em uma sala e informados de que seriam demitidos, mas não receberiam as verbas rescisórias:

¿ Deram um papel para a gente, com o telefone de uma advogada para que procurássemos nossos direitos na Justiça. Disseram que pagariam os honorários do advogado. Achei aquilo muito estranho. Pagar uma advogada para processar a própria empresa?

Ex-funcionária levou 17 meses para receber verba de rescisão

A mesma coisa aconteceu com a assistente de vendas Cláudia Nascimento, também ex-funcionária da distribuidora de bebidas. Ela conta que o chefe do Departamento Pessoal entregou um papel com telefones de uma advogada e depois colou o papel nos corredores da empresa.

¿ Fui demitida em abril de 2003 e só recebi o dinheiro da rescisão na Justiça em setembro de 2004 ¿ lembra Cláudia.

Atraso semelhante viveu Santos. Demitido na mesma época de Cláudia, recebeu indenização apenas um ano depois:

¿ A ação de verdade continua na Justiça. Eles baixaram meu salário e não pagavam horas extras.

Sérgio Cardoso, sócio da distribuidora, não quis se pronunciar. No seu depoimento aos procuradores, alegou que parte das rescisões fora feita nos sindicatos e comissões de conciliação prévia e na Justiça do Trabalho. Ele afirmou que não conhecia a advogada indicada pelo chefe do Departamento Pessoal da empresa. Disse ainda que fez o pagamento das rescisões na Justiça, pois a firma não tinha recebido parte de indenização a que tinha direito em um negócio. Declarou também que a empresa está inativa.