Título: UMA AGITADA GANGORRA DE SENTIMENTOS E VALORES
Autor: Fábio Juppa, Fellipe Awi, Paula Autran, Toni M.
Fonte: O Globo, 24/04/2005, O Mundo, p. 35

Evangélicos conquistam ex-católicos com discurso do afeto; Igreja atrai jovens apegados à tradição

Quando o consolo leva à conversão

Nascida numa família católica tradicional, a carioca Lúcia Chiele, de 71 anos, foi batizada, fez primeira comunhão e comungou durante quase toda a vida nas missas da mesma igreja católica, dentro do Palácio Guanabara, em Laranjeiras. Há 15 anos, no entanto, converteu-se ao protestantismo e passou a freqüentar a Comunidade Presbiteriana da Barra, bairro onde mora. O motivo pelo qual Lúcia migrou da parcela de 89,19% de católicos do país na década de 90 para ingressar num grupo até então de 6,55% evangélicos ela resume em uma frase: ¿Naqueles anos todos, nunca me perguntaram como eu estava¿.

Na ocasião, Lúcia acabara de perder um filho de 17 anos, estudante de economia, num acidente de pesca em Fernando de Noronha.

¿ Em pouco tempo, perdi minha mãe, minha irmã e, repentinamente, meu filho. Achava que era normal que ninguém viesse me perguntar: ¿Como você está, irmã?¿ Até que umas amigas, também ex-católicas que estudavam o Evangelho, me mostraram a palavra de Deus. Na Igreja Presbiteriana encontrei consolo e amor ¿ conta ela, a única convertida da família, que convive com marido, filhos e netos católicos, pouco praticantes.

Aluna do Instituto Metodista Bennett na infância, Lúcia relembra que na época apenas conheceu o Evangelho. Agora estuda e professa a religião presbiteriana, mas acredita que, filosoficamente, a mudança de religião não mudou seus conceitos.

¿ A palavra de Deus é clara. Há coisas imutáveis. O casamento, por exemplo, é para toda a vida ¿ diz.

Lúcia acha acertada a eleição de Joseph Ratzinger, pois crê que ele seguirá o caminho de João Paulo II, que ela admirava. Ainda assim, não imagina que qualquer esforço de Bento XVI possa levá-la de volta.

¿ Ainda tenho carinho pela Igreja Católica, mas não há como voltar. Encontrei pessoas que querem compartilhar e, como um rebanho, têm um pastor ¿ diz ela.

Jovens do Rio de Janeiro formam escudo para o conservadorismo

A noite da última terça-feira foi festiva para o estudante Mário Oliveira, de 23 anos, e mais sete amigos. Eles se encontraram numa churrascaria na Tijuca para comemorar a eleição de Joseph Ratzinger como Papa. Todos pertencem à ONG Ação pela Família, que defende os valores tradicionais das relações familiares. Não têm qualquer divergência com o que prega Bento XVI, considerado um conservador em aspectos comportamentais, como a condenação do aborto e de contraceptivos.

Mário e os amigos criaram a ONG no ano passado, pouco depois de o deputado estadual Gilberto Palmares (PT) propor a criação do Dia do Orgulho Gay. Indignados, foram à Assembléia Legislativa e se reuniram com deputados para tentar vetar o projeto-de-lei.

¿ Não é certo criar o Dia do Orgulho Gay quando ainda não há o Dia do Pai de Família, por exemplo. Não aceitamos a ditadura do homossexualismo ¿ afirma Mário.

A ONG também combate o projeto que prevê a proibição de imagens religiosas em repartições públicas, mas não são apenas questões coletivas que mobilizam estes jovens católicos, que, segundo a pesquisa da FGV, são cada vez menos numerosos. Eles optaram pela castidade até o casamento, por exemplo. Criado numa família católica, Mário conta que viveu um período ¿desligado¿ a partir dos 16 anos, mas se converteu definitivamente aos 18, mesmo tendo de abrir mão de algumas liberdades.

¿ Sei que somos exceções. Mas um atleta não tem de evitar certos exageros para jogar bem? ¿ diz.

A escolha de Bento XVI agradou:

¿ Tínhamos medo de que a Igreja se desvirtuasse. Foi uma escolha iluminada pelo Espírito Santo ¿ diz.