Título: O NOVO PAPADO: Missão para a Igreja de Bento XVI
Autor: Fábio Juppa, Fellipe Awi, Paula Autran, Toni M.
Fonte: O Globo, 24/04/2005, O Mundo, p. 35

Estudiosos debatem evasão de fiéis e fissuras religiosas no maior país católico do mundo

Muitos consideram que um dos maiores problemas a serem enfrentados pelo Papa Bento XVI é a perda de fiéis na Europa, o continente a partir do qual o cristianismo se espalhou pelo mundo. Mas no Brasil, o maior país católico do planeta, fissuras religiosas já podem ser sentidas. Nos últimos anos, o ateísmo vem crescendo, num movimento que só não preocupa mais a Santa Sé do que as derrotas que tem sofrido para as igrejas pentecostais.

Para teólogos e pesquisadores da religião, a evasão de fiéis da Igreja Católica no país tornou-se inevitável num mundo globalizado, onde há uma maior circulação de idéias.

Segundo o cientista político Cesar Romero Jacob, um dos autores do ¿Atlas da filiação religiosa e indicadores sociais no Brasil¿, lançado em 2003, o país, que em 1900 tinha 99% de católicos, chegou a 1980 com 89%. Uma queda suave de dez pontos percentuais em oitenta anos. De lá para 2000, no entanto, o número de católicos caiu 15 pontos.

¿ O pluralismo é inevitável no mundo de hoje, mas a velocidade de evasão passou, em média, de um ponto percentual por década a um ponto percentual por ano ¿ diz Jacob, que identificou uma maior intensidade do fenômeno em estados do Norte e do Centro-Oeste, nos municípios das periferias de capitais e nos bairros populares das capitais. ¿ Paradoxalmente, é justamente nos lugares mais carentes que a Igreja, que optou pelos pobres, mais perde fiéis. Eles se tornam evangélicos pentecostais e pessoas que se dizem sem religião.

CEBs e carismáticos atraem fiéis

O Centro de Políticas Sociais (CPS) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas divulgou semana passada a pesquisa ¿Diversidade: retratos das religiões no Brasil¿, baseada no Censo de 2000. O Brasil tinha 126 milhões de católicos, mas estes eram só 74% da população. O número parece grande, mas, 60 anos antes, eram de 95%.

A queda foi de 0,33% por ano. Porém, foi nos 20 últimos anos que ela se agravou, caindo 14 pontos percentuais. No mesmo período, o número de pessoas que se declararam evangélicas aumentou nove pontos percentuais e os que dizem não ter religião, cinco pontos. De modo significativo, neste período o Papa João Paulo II esteve no Brasil em 1980, 1991 e 1997.

Para conter a queda, o sociólogo Alberto Gomes acredita que a Igreja deve se preocupar em acolher migrantes que vêm de áreas rurais.

¿ Ainda existe uma estrutura macro na Igreja que não é capaz de deixar o fiel à vontade. Nas igrejas evangélicas, com uma estrutura menor, as pessoas se sentem acolhidas ¿ sustenta ele, acrescentando serem as comunidades eclesiais de base (CEBs) e os grupos da Renovação Carismática os movimentos católicos que conseguem diminuir este distanciamento.

O teólogo Paulo Fernando de Andrade, doutor em teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, vê na luta contra a pobreza e na busca pela justiça social a maior contribuição que a Igreja pode dar:

¿ Os grandes desafios são as mudanças na sociedade, o combate à pobreza aguda e a maneira como lidar com novas demandas, como a questão pastoral, a tentativa de diminuir os conflitos sociais, a violência, e fomentar novas espiritualidades.

De acordo com a pesquisadora Regina Novaes, do Instituto Social de Estudos Religiosos, é preciso ter em mente que a equação ¿mais pobreza é igual a mais evangélicos¿ não é inteiramente verdadeira.

¿ É verdade que o catolicismo anda enfraquecido em municípios carentes, como Queimados. Mas vale lembrar que foi em áreas pobres do Nordeste que mais cresceram as comunidades eclesiais de base. Em alguns estados daquela região, o que há de mais arraigado no catolicismo convive com as experiências mais progressistas ¿ observa Regina.

A pesquisadora crê que o fato de o Rio ser o estado com mais pessoas que se declaram sem religião (15,76%) pode ser creditado ao seu caráter cosmopolita, que propicia uma circulação ainda maior de idéias do que no resto do país.