Título: PARTIDÁRIOS DOS SEM-CONCURSO
Autor: Maria Lima e Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 25/04/2005, O País, p. 3

Na Câmara e no Senado, servidores indicados ocupam 72% dos cargos dos gabinetes

Servidor concursado no Legislativo faz parte de uma categoria quase em extinção. A maioria das vagas, o equivalente a 72% dos cargos dos gabinetes dos 81 senadores, dos 513 deputados, dos líderes partidários e dos líderes de governo nas duas Casas, é preenchida sem concurso. São os cargos comissionados de livre provimento. Na Câmara, dos 15.666 contratados, 3.579 foram selecionados por concurso. Os 2.266 Cargos de Natureza Especial (CNEs) e outros 9.821 cargos de secretários parlamentares ¿ pagos com a verba de gabinete de cada deputado ¿ são preenchidos por afilhados, parentes, amigos ou cabos eleitorais. No Senado, uma Casa menor, são 2.021 servidores concursados, contra 2.071 comissionados.

Isso sem contar servidores terceirizados, que também ocupam vagas sem concurso. Não há contabilidade dos funcionários de empresas prestadoras de serviços contratadas por licitação. Além da área de limpeza e conservação, fotógrafos, cinegrafistas e outros profissionais de comunicação são contratados para TVs, rádios e assessorias de imprensa por empresas de publicidade ou cooperativas.

As dificuldades para mudar a estrutura que privilegia o empreguismo e o nepotismo são grandes. Os parlamentares alegam que não podem ter nos gabinetes só técnicos, porque a atividade principal, o atendimento ao eleitor ou ao prefeito que depende do deputado ou senador para resolver problemas, tem que ser feita por funcionários de confiança. São poucos, porém, os que assumem esse discurso.

¿ Não dá para trabalhar só com concursados, pois a atividade é política. Se um técnico tratar mal meus prefeitos, como vou demiti-lo? Preciso de assessores bem-humorados, dispostos a resolver problemas ¿ diz o líder do PP, José Janene (PR).

A oposição, que assumiu nas últimas semanas a bandeira contra os gastos do Executivo com pessoal e cargos de confiança, reconhece que no Legislativo a situação também é dramática e diz que o preenchimento de alguns cargos é uma caixa preta.

¿ A Câmara tem uma estrutura medieval, com capitanias hereditárias. Mas há um pacto de silêncio sobre o número exato de cargos de confiança. Estou aqui há 16 anos e nem sabia da existência desses CNEs ¿ diz o deputado Roberto Brant (PFL-MG).

Renan propõe cotas para cargos

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), conta que vem adotando medidas de reengenharia, como o estabelecimento de uma cota de cargos de livre provimento por gabinete. Hoje cada senador tem quatro cargos técnicos de assessoria parlamentar e seis de livre provimento. Esses seis podem ser divididos, mas o valor pago é o mesmo, e todos são contratados pelas regras da CLT.

Na Câmara cada deputado pode contratar de cinco a 20 assessores com a verba de gabinete, que agora é de R$50 mil. Renan reconhece que é difícil fazer mais concursos, pois 80% dos recursos do orçamento são gastos com atividade meio:

¿ O nepotismo tem que ser banido e o Senado já fez sua parte votando essa matéria. Fazer mais concursos também não resolve, pois acabaria priorizando a atividade meio, a burocracia, em detrimento da atividade fim, que é a parte legislativa e política.

Na Câmara, os concursos que seriam feitos para preencher parte dos CNEs e substituir terceirizados foram cancelados pelo primeiro-secretário, Inocêncio de Oliveira (PMDB-PE).

¿ Já tem cargos demais e a idéia é enxugar. Queremos economizar de R$150 milhões a R$200 milhões do orçamento ¿ diz Inocêncio.

O quarto-secretário da Câmara, João Caldas (PL-AL), diz que está mais difícil sustentar cargos de confiança:

¿ Tem que ter uma redução dos não concursados. Se o Congresso fosse empresa, tinha falido. A sociedade está fechando o cerco e não tem saída, vamos ter que mudar as leis e regras que dão sustentação aos desvios.