Título: ADMINISTRAR O PT
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 25/04/2005, O País, p. 4

PT sem brigas é como futebol sem bola, Flamengo sem preto e vermelho, feijoada sem feijão: não existe. Mas tudo o que o Planalto menos precisa agora, na decolagem para 2006, é do partido em pé de guerra, com tendências assanhadas por uma disputa interna. Vai sobrar para o governo. Aliás, já sobrou. Raul Pont se lançou candidato pela Democracia Socialista no fim de semana batendo na equipe econômica.

Tudo bem, dizem caciques do Campo Majoritário, o grupo de Lula. Nem Pont nem Maria do Rosário, candidata do Movimento PT, ou quem mais aparecer, parecem ter fôlego para bater José Genoino, preferido do presidente e do Planalto, nas eleições diretas do PT em setembro.

Tudo indica que não terão mesmo. O problema é que esse tipo de campanha, com candidatos na mídia percorrendo o país e expondo as vísceras do PT por três meses, só não produz estragos na oposição. A democracia petista, que distinguiu o partido das demais legendas nesses 25 anos, é bonita e inovadora. Mas alguns de seus procedimentos não são nada práticos quando se está no governo. Para quem precisa também até setembro ¿ fim do prazo de filiação partidária ¿ ter o quadro de alianças para 2006 mais ou menos desenhado, a longa e, possivelmente, desgastante campanha interna é atraso de vida.

Por isso, embora sejam reduzidos os riscos de derrota, os rumos da eleição petista ¿ na qual a cada dia pulula um candidato diferente ¿ estão sendo vistos no Planalto no mínimo como complicadores. É por aí que os caciques do Campo Majoritário, os mesmos que fazem parte do grupo mais próximo do presidente, já tomaram algumas decisões estratégicas:

1. Reeleger Genoino mas preservar Lula - O presidente da República será mantido a uma distância regulamentar das eleições do PT. Seu candidato, obviamente, é Genoino, mas não fará declarações e, muito menos, campanha. Já os outros petistas do Planalto, sobretudo José Dirceu, que têm mais poder de fogo no PT, vão trabalhar incansavelmente. Não só para eleger Genoino, mas principalmente para neutralizar o discurso dos oposicionistas. Mãos à obra.

2. Trégua no Campo Majoritário - Já foi acertada e será mantida, envolvendo sobretudo os dois principais ministros petistas do governo: Dirceu e Palocci. Os dois conhecem suas responsabilidades para 2006: Dirceu, como principal articulador de alianças e palanques; Palocci, como condutor da política econômica que dará ou não a reeleição a Lula. Para fechar o PT nessa estratégia é fundamental eleger Genoino, mostrar unidade e não passar, nem por brincadeira, a idéia de divisão.

3. Genoino vai defender o governo na campanha - O presidente do PT não vai pegar pesado em cima dos adversários. Seu discurso vai defender a política econômica e mostrar que, para dar continuidade a seu programa, o PT terá que reeleger Lula em alianças com outros partidos. Vai aproveitar a exposição pública para rebater argumentos da oposição sobre aumento de carga tributária e excesso de gastos. Será um discurso para fora e para dentro do partido. ¿Os militantes não gostam quando brigamos entre nós¿, diz Genoino.

4. Aliança com o PMDB: morde-e-assopra - A decisão de ter o PMDB como aliado preferencial em 2006 e desistir de algumas candidaturas estaduais está tomada e é irreversível. O problema é que a coisa tem que ser feita com muito jeito no PT, sobretudo em meio à campanha eleitoral interna. Então, ficou combinado assim: enquanto Lula e Dirceu seduzem os peemedebistas, Genoino endurece um pouco o discurso e diz que o PT não pode matar seus candidatos no nascedouro: ¿Tenho que garantir que o PT ofereça palanques fortes ao Lula. Não vou arrebentar o PT nos estados¿, afirma o presidente-candidato. Problemas à vista? Não. O próprio Genoino admite que, mais adiante, a conversa pode mudar: ¿Com outros partidos, fazemos aliança; com o PMDB, será coalizão¿. Ou seja...

5. Pancadaria: combinar com o adversário - É o mais difícil. Pont saiu jogando pesado em Palocci e cia. Se isso passa a acontecer todos os dias no partido do presidente da República, é um desgaste sem fim. Os candidatos da oposição petista serão procurados pelos palacianos com propostas de acordo para que o debate seja civilizado e os golpes se mantenham acima do nível da cintura. Nem que, para isso, seja preciso lembrar que, afinal, esses grupos tão independentes assim, que adotam discurso eleitoral contra o governo, têm representantes na Esplanada dos Ministérios que não querem largar o osso de jeito nenhum.