Título: Má interpretação
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Fonte: O Globo, 25/04/2005, Opinião, p. 6

Se a Constituição de 1988 merece críticas nos capítulos econômicos e de organização social, por ter sido muito influenciada por uma visão de mundo que àquela altura já era atropelada pela História, na questão dos direitos individuais ela é um marco positivo. Redigida para resgatar o país de duas décadas de ditadura, a Carta adotou princípios clássicos do liberalismo republicano, conquistas da civilização Ocidental. Por exemplo, a liberdade de expressão e, como decorrência dela, de imprensa.

Infelizmente, mesmo resguardada por preceitos constitucionais, a imprensa continua vítima da censura prévia. Não mais por atos de força do regime, atingida pela tesoura de agentes da Polícia Federal ou militares, mas por determinação de juízes de primeira instância, quase sempre por meio da concessão de liminares.

Mesmo nos Estados Unidos, a imprensa padece da incompreensão de tribunais de instâncias inferiores. Mas quando temas relacionados à liberdade de imprensa, resguardada pela Primeira Emenda, chegam à Suprema Corte, a vitória costuma ser da sociedade, que precisa e quer ser bem informada. São clássicos os casos da cobertura do escândalo de Watergate (¿Washington Post¿) e a divulgação dos Papéis do Pentágono (¿The New York Times¿). O Supremo brasileiro precisa enfrentar esse teste, e vencê-lo.

Não há liberdade desmedida. Nem é o que se deseja. Por isso a grande imprensa conta com códigos de ética e sistemas internos de controle para avaliar o que deve ou não ser publicado, em nome do interesse público. Quanto às reclamações, cabe à Justiça julgá-las. Mas nunca evitar a divulgação de qualquer notícia.