Título: O drama dos 4.500 funcionários da Vasp: sem salário, nem auto-estima
Autor: Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 25/04/2005, Economia, p. 14

Sem FGTS nem demissão formal, eles não têm direito a seguro-desemprego

Quatro anos depois de a Transbrasil ter deixado sem emprego centenas de funcionários, a cena se repete, desta vez com a Vasp, sem voar desde janeiro. A empresa de Wagner Canhedo é o cenário de mais uma etapa na crise da aviação civil brasileira. Por trás dos problemas com credores e promessas de retorno, estão cerca de 4.500 empregados, pilotos, comissários de bordo e aeroviários (pessoal de terra), que além da falta de dinheiro perderam também a auto-estima. O pior para todos eles, no entanto, é o descaso da empresa onde passaram boa parte de suas vidas e onde muitos construíram uma carreira.

Sem vagas no país, piloto busca emprego na África

O comandante Fernando Luiz Rocha Machado foi piloto da Vasp, no período de 1990 a 1992, quando foi demitido pela primeira vez por causa da primeira grande crise da companhia. Voltou em 1998 e agora enfrenta o mesmo problema. Aos 49 anos, vive o preconceito da idade no mercado de trabalho:

¿ Já mandei currículo até para a África na tentativa de encontrar um novo emprego. Mas o mercado está cheio de profissionais em busca de trabalho no setor e a idade acaba sendo uma barreira. As empresas, diante de tanta oferta de mão-de-obra, acabam escolhendo os mais jovens. Mas vou continuar tentando.

Enquanto conta sua história, Machado vai deixando transparecer sua revolta pela dificuldade em pagar a faculdade dos filhos e por não conseguir honrar os compromissos da casa.

¿ Meu nome está no SPC porque as contas estão todas atrasadas. Conto com a ajuda da família. É triste ver o estudo dos filhos comprometido enquanto o Sr. Canhedo não passa por qualquer problema financeiro. Ele não paga nossos salários porque não quer.

A história do comandante Marcio de Freitas Coutinho é marcada por uma infeliz coincidência. Em 2001, ele foi um dos muitos trabalhadores da Transbrasil que ficaram sem trabalho da noite para o dia. Na empresa de Celso Cipriani, trabalhou por 13 anos. Quatro meses depois, foi chamado para trabalhar na Vasp. Nessa época, Coutinho renovou suas esperanças de se manter por muitos anos na aviação sem ter de passar por uma nova turbulência. Mas, segundo ele, os sintomas de que a companhia poderia terminar do mesmo jeito começaram a aparecer um ano depois da sua contratação.

¿ O que vi na Vasp é a mais clara repetição do que vivi na Transbrasil. A Transbrasil não me pagou até hoje e, pelo visto, vai acontecer o mesmo na Vasp ¿ reclama.

Com 25 anos de aviação, o comandante Freitas vê tudo o que conseguiu construir com seu trabalho desmoronar.

¿ Estou dilapidando meu patrimônio. Já vendi carro e, por sorte, tenho casa própria, o que muitos colegas ainda não conseguiram conquistar. Tinha duas vagas de garagem que comprei como patrimônio, mas já tive que vender uma para pagar contas. O lazer com a família foi cortado, assim como gastos com alimentação e qualquer outro tipo de conforto. O pior é que nem posso pedir seguro-desemprego porque a Vasp não deposita FGTS desde 1998 e, com a intervenção, ainda não fomos oficialmente demitidos.

Sem salário, aeroviário vendeu sanduíche na praia

O aeroviário William Lopes Carlos tem 47 anos e começou sua carreira na aviação na Vasp, onde trabalhou por 28 anos. A peregrinação em busca de emprego é diária mas, segundo ele, as companhias aéreas só aceitam profissionais até 35 anos.

¿ Construí minha carreira na Vasp e o que recebo da empresa em agradecimento? Estou sem salário, sem FGTS, sem qualquer benefício. No carnaval consegui algum dinheiro vendendo sanduíche na praia. Minha filha estuda na Uerj e não tenho dinheiro para pagar o transporte. Se não fosse a família ela não estaria mais estudando.

Um piloto que preferiu não se identificar relatou por e-mail os problemas que enfrenta desde que a Vasp deixou de pagar salários.

¿Meu FGTS nunca mais foi depositado (desde 1998), recebo em casa o extrato da CEF com R$78 e parece até uma gozação. Fui ficando cada vez mais endividado até que um dia a Vasp não pagou mais meu salário. Minha dívida tornou-se impagável e meu nome finalmente foi para o SPC. O fundo de pensão ¿ o Aeros ¿ do qual participo desde 1986, foi liquidado. Não tenho mais nada.¿