Título: `O BRASIL AVANÇOU E MUDOU, SAIU DO IMPASSE¿
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 25/04/2005, Economia, p. 15

Economista quer conhecer melhor o Fome Zero e discutir meios de o país conquistar a confiança dos mercados

NOVA YORK. Os EUA gastam 30 vezes mais em contratos militares do que na construção da paz, diz Jeffrey Sachs, dublê de economista e celebridade. Chefe de um grupo de 230 especialistas que mapearam a pobreza global para a ONU e diretor do Instituto da Terra, da Universidade de Columbia, acaba de lançar nos EUA ¿The end of poverty¿ (¿O fim da pobreza¿), com prefácio do cantor Bono. Sachs estará no Brasil quinta e sexta-feira, onde pedirá ajuda na mobilização internacional para o cumprimento das Metas do Milênio, que prevêem redução da pobreza até 2015. O pacto será reavaliado por chefes de Estado em setembro. Para ele, o Brasil mudou e saiu do impasse do subdesenvolvimento.

O que o senhor espera de sua visita ao Brasil?

JEFFREY SACHS: O Brasil está desempenhando um papel diplomático importante para despertar o mundo sobre a necessidade de cumprir as Metas do Milênio. Quero conversar sobre formas de fazer a comunidade internacional se mexer para apoiar o desafio de reduzir a pobreza, especialmente neste momento de preparação para a reunião de setembro na ONU. Também quero entender melhor o Fome Zero.

Segundo o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a luta contra a pobreza e a desigualdade é a prioridade número 1 do organismo. Depois vêm a proteção ambiental e a luta contra o terrorismo. Concorda com ele?

SACHS: Acho que tudo está interligado e tenho certeza de que Annan pensa o mesmo. A principal mensagem da ONU é que não existe desenvolvimento sem segurança e não existe segurança sem desenvolvimento. Alguns chefes de Estado que virão para a reunião de setembro vão querer falar de terrorismo, paz e guerra, conselho de segurança. Outros vão querer discutir fome, doença e extrema pobreza. A mensagem de Annan é que é melhor falar sobre as duas coisas, porque tudo é interligado. Se não enfrentarmos os dois desafios, segurança e desenvolvimento, não conseguiremos resolver nenhum dos dois.

A obsessão americana com segurança atrapalha a luta para a redução da pobreza no mundo?

SACHS: Claro. E eu ponho as coisas em termos de dólar e centavos, que é o meu treinamento como economista. É só comparar: os gastos militares este ano dos EUA são de US$500 bilhões, e os gastos com desenvolvimento, de US$16 bilhões. Os gastos militares são 30 vezes maiores do que as despesas com desenvolvimento, o que é um erro enorme.

E como lidar com isso?

SACHS: É uma questão que envolve o medo dos americanos depois do 11 de Setembro, o mal-entendido de que o poder militar pode resolver as questões de segurança. Não é só uma política inocente, mas é uma questão de dinheiro: mais dinheiro para contratos militares do que para salvar as vidas das pessoas. Esta política atual, que só vê segurança como uma questão militar, não criará um mundo melhor. Pelo contrário, estamos colocando o mundo em uma situação de perigo, já que a ajuda para os países instáveis tem sido muito pequena comparada às necessidades mundiais, comparada ao que podemos fazer e aos 0,75% do PIB que os países se comprometeram a aplicar na redução da pobreza.

Qual sua opinião sobre Paul Wolfowitz na presidência do Banco Mundial (Bird)?

SACHS: Acho que é inapropriado de muitas maneiras. Não estou contente com a escolha de alguém que não tem experiência na área de desenvolvimento. Conversei com muitas pessoas que poderiam fazer um grande trabalho, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Joaquim Chissano (Moçambique) e Ernesto Zedillo (México). Por que somos obrigados a ter alguém sem experiência? Mas estou mais preocupado com a política americana como um todo do que com este indivíduo. Estou muito cético, há necessidade de profundas mudanças.

Sempre que se fala em pobreza há pelo menos duas correntes: uma diz que falta dinheiro e outra, que falta competência para aplicá-lo. O que o senhor defende?

SACHS: Mais dinheiro e mais competência. Quem diz que não é preciso mais dinheiro, deveria pensar como seria se seus filhos estivessem crescendo desnutridos num lugar miserável, com malária, sem acesso a médicos e andando horas para conseguir água. Será que eles deixariam seus filhos vivendo nessas condições e continuariam a dizer que não há necessidade de mais recursos? As pessoas que dizem isso não sabem do que estão falando e falam do que não sabem.

Em um relatório da ONU, Kofi Annan cita o Brasil como um país que criou uma tecnologia para lutar contra a pobreza. O que acha dos programas sociais brasileiros?

SACHS: Para mim, a coisa mais importante que aconteceu no Brasil nos últimos dez anos foram as conquistas no campo da educação. Começou com Fernando Henrique e continua com Lula. Mais crianças de famílias pobres estão indo para escolas secundárias e completando o curso. Tenho a impressão de que também melhorou o ensino nas universidades e a ciência melhorou de nível no Brasil. É disso que o Brasil precisa. Estou muito otimista sobre o Brasil e agora estou indo para ver se o meu otimismo é só porque eu gosto do país ou porque é um fato.

Por que está otimista?

SACHS: A minha impressão é que o Brasil avançou e mudou, saiu do impasse. O Brasil está vendendo mais no mercado internacional, melhorou seu nível tecnológico e científico, reduziu o analfabetismo e a qualidade da mão-de-obra cresceu. Acho que finalmente está acabando o tempo do Brasil parado e preso em baixos níveis de tecnologia e poucos investimentos em recursos humanos. O país tem que investir em educação primária, secundária, de terceiro grau, em ciência e tecnologia.

O senhor conhece os programas contra pobreza do governo Lula?

SACHS: Eu tenho de olhar os programas mais de perto.

Os juros altos não atrapalham a redução da pobreza no Brasil?

SACHS: Sem dúvida. Em parte o Brasil está sendo punido pelo mercado de capitais internacional por sua fama ruim. As taxas de juros não são um reflexo dos fundamentos da economia no Brasil, mas os contratos ainda embutem um prêmio alto por causa do risco-país. As altas taxas de juros são certamente fonte de dificuldades. Uma das coisas que espero falar com o governo é o que pode ser feito para aumentar a confiança dos mercados a longo prazo e, assim, reduzir as taxas de juros.

Mas qual é a alternativa a essa política?

SACHS: Como estou indo para o Brasil agora, vou deixar esta discussão para depois.

A política de superávits ficais também não atrapalha?

SACHS: O câmbio e o gerenciamento da dívida do Brasil foram motivo de desconfiança para o mercado durante muito tempo, por causa das décadas em que o país viveu ciclos de instabilidade. Isso torna as coisas mais difíceis para o Brasil do que para outros países com os mesmos fundamentos econômicos. O risco-Brasil, por exemplo, não tem a ver com os fundamentos da economia mas com o medo do medo. Por causa de tudo isso é que o Brasil tem de fazer um enorme superávit primário, o que outros países com os mesmos fundamentos fiscais não são obrigados a fazer.

O senhor já disse que o mundo acaba com a extrema pobreza em 2015 se investir o que prometeu em ajuda ao desenvolvimento. Se o Brasil mantiver os investimentos sociais atuais, em quanto tempo acaba com a miséria?

SACHS: Acho que o Brasil está potencialmente numa corrida muito bem-sucedida para acabar com a pobreza. Ao melhorar a educação, criou os alicerces para um crescimento econômico mais rápido. A chave é continuar investindo nas pessoas para ter certeza de que toda a sociedade brasileira tenha acesso a uma educação de qualidade.

O que espera da reunião do Milênio em setembro?

SACHS: Tenho esperança de que haja uma melhora na relação entre os países ricos e pobres, com os ricos se comprometendo a fazer muito mais para reduzir a enorme diferença de renda que separa os dois mundos, provavelmente por meio de mais ajuda ao desenvolvimento, de um comércio internacional mais correto e de leis mais justas de propriedade intelectual. É nisso que estamos trabalhando.

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