Título: `Quero alcançar todos¿
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 25/04/2005, O Mundo, p. 18

Bento XVI prega em sua primeira missa como Papa diálogo e conciliação

Atransformação de Joseph Ratzinger em Bento XVI não se refletiu apenas na cor de suas vestes ¿ da preta dos cardeais, para a branca de um Papa. Ontem, numa Praça de São Pedro lotada de fiéis, Bento XVI surpreendeu mais uma vez ao anunciar, na sua missa de inauguração como Pontífice, que não vai se guiar por suas próprias idéias. Ele pregou o diálogo dentro e fora da Igreja Católica: ¿Quero alcançar todos, crentes e não crentes¿. Foi mais uma revelação deste homem, que até ser eleito Papa no último dia 19, era tido como um dos cardeais mais inflexíveis e conservadores do Vaticano.

¿ Meu real propósito no papado não é fazer minha própria vontade nem perseguir minhas próprias idéias, mas ouvir, junto a toda a Igreja, a palavra e a vontade do Senhor ¿ disse o Papa, sendo ovacionado por 350 mil pessoas.

Especialistas e sacerdotes viram neste trecho a mais clara indicação da mudança. Embora ele não tenha citado diretamente o Concílio Vaticano II ¿ que nos anos 60 reformou a Igreja Católica ¿ sua mensagem foi interpretada como uma vontade de ouvir mais os bispos. Desde o Concílio, os bispos reivindicam, sem sucesso, maior participação nas decisões da Cúria ¿ o governo da Igreja.

Pontífice faz apelo a jovens e não-cristãos

O padre catarinense Sergio Durigon, que assistiu à missa sentado numa das primeiras filas reservadas aos sacerdotes, disse que mudou de idéia em relação ao Papa, a quem considerava conservador, após ouvir a homilia.

¿ Quando este Papa falou nas suas fraquezas e na fraqueza da Igreja foi, para mim, fundamental. Sinceramente, ele me conquistou hoje ¿ disse.

Num contraste com a sua homilia da véspera do conclave, quando queixou-se da proliferação de seitas, de modismos doutrinários e da ¿ditadura do relativismo¿ ¿ isto é, dos que rejeitam a idéia central da Igreja Católica de que só existe uma verdade ¿ Bento XVI mudou o tom do discurso. Saudou todos os cristãos, judeus, que chamou de irmãos, e ¿todos os homens da atualidade, crentes e não crentes¿.

Com uma veste dourada e o tradicional báculo (bastão de pastor), o Papa começou a cerimônia de posse caminhando no subterrâneo da Basílica onde acredita-se que São Pedro está enterrado. Assim, ele prestou homenagem ao primeiro Pontífice da História, abençoando o túmulo com incenso, ao som de um coro. Quando Bento XVI entrou na Praça São Pedro, a multidão aplaudia e gritava: ¿Bento! ¿. O Papa não usou o papamóvel de João Paulo II. Bento XVI desafiou a segurança ao entrar na praça em um jipe branco, sem janelas a prova de bala.

Sentado num trono, indiferente ao vento que despenteou seu cabelo branco, Bento XVI mal conseguiu começar o seu sermão. Foi interrompido 38 vezes por aplausos. Embora menos numerosos do que no funeral de João Paulo II, reis, rainhas e autoridades de 131 países, entre eles, o chanceler federal alemão Gerhard Schroeder e o vice-presidente americano, Dick Cheney.

Um dos momentos mais bonitos da missa de mais de duas horas foi quando o Papa recebeu o Anel do Pescador, símbolo do sigilo, e o pálio, uma estola de lã branca, de 2,6 metros. Estes símbolos da autoridade papal ficaram no túmulo de São Pedro por toda a noite e foram entregues a Bento XVI durante a cerimônia. Ele começou a homilia em tom de humildade:

¿ Eu, um frágil servidor de Deus, devo assumir esta enorme tarefa que realmente excede a capacidade humana.

Bento XVI terminou a homilia citando a frase que João Paulo II usou na sua posse, em 1978, quando disse:

¿ Não tenham medo ¿ disse. ¿ Sim, abram , escancarem a porta para Cristo, e encontrem a verdadeira vida. Amém.