Título: BENTO XVI: UM PAPA TEÓLOGO
Autor: Maria Clara Lucchetti Bingemer
Fonte: O Globo, 25/04/2005, O Mundo, p. 19

Para aqueles que, como eu, estudaram teologia nos anos 70, Joseph Ratzinger era uma constante presença nos textos com os quais aprendíamos os diferentes tratados ou disciplinas teológicas. Seu belíssimo livro ¿Introdução ao cristianismo¿, um profundo comentário teológico sobre o Credo, marcou meu estudo do tratado de Deus Uno e Trino. Já ¿O novo povo de Deus¿ foi meu manual ao estudar o tratado de Eclesiologia.

São inúmeros livros, artigos, textos que refletem uma teologia sólida e recolhem o melhor do Concílio Vaticano II com beleza e clareza de estilo raramente encontradas entre os de sua geração.

Depois acompanhei seu desempenho à frente da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé. Assisti aos seus embates com teólogos da América Latina, Ásia e alhures, na preocupação da defesa da pureza da doutrina. Li também os documentos que produziu como prefeito da Congregação. Destacaria ¿Sobre alguns pontos da meditação cristã¿, de 1989, sobre a oração, e o tão discutido ¿Dominus Iesus¿, do ano 2000. Ali estava o teólogo, aquele que recolhe o dado revelado e procura pensá-lo em total fidelidade à revelação e à tradição da Igreja.

Não foi sem surpresa que ouvi seu nome anunciado como o novo Papa. Sempre pensei no atual Papa como um intelectual que punha ao serviço da Igreja sua inteligência e sua formação para construir uma reflexão teológica. Um pesquisador, um pensador: essa era minha imagem do cardeal Ratzinger.

Agora, enquanto o ouvia dirigir suas primeiras palavras aos fiéis, procurava vê-lo sob novo prisma, revestido de sua nova identidade: a de Papa Bento XVI, Pastor Supremo da Igreja Católica. Via os olhares da Humanidade voltados sobre ele e, enquanto me acostumava a observar revestido das vestes papais o não mais cardeal Ratzinger, mas Papa Bento XVI, chefe da minha Igreja, sondava meu coração e minhas expectativas sobre seu pontificado.

Um Papa teólogo é uma garantia de ter à frente da Igreja alguém inteligente, pensante e ciente dos pontos críticos com os quais a teologia deve dialogar. Linguagem posterior à da revelação e da fé, a teologia é palavra humana aderente e aderida à Palavra de Deus, e deve expressar o que Deus diz aos homens e às mulheres de hoje.

Bento XVI recebe um mundo marcado pela pluralidade e pelas aceleradas mutações. Certamente não deixará de pensar sobre elas como teólogo, mas é agora chamado a fazê-lo como pastor.

E como pastor seu foco sobre a doutrina será necessariamente diferente, uma vez que não estará mais dialogando apenas com seus pares, mas com todos; sua atitude deverá ser outra, uma vez que é chamado a velar com paternal solicitude sobre todo o rebanho do Senhor.

Diante do Papa teólogo, passada a primeira perplexidade, creio que a atitude correta é a esperança. Esperemos que seu pontificado seja um tempo fértil para o exercício da teologia, tão importante para alimentar a fé e a esperança do povo de Deus.

Maria Clara Lucchetti Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio.