Título: EX-PRESIDENTE DO EQUADOR CHEGA AO BRASIL
Autor: Janaína Figueiredo e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 25/04/2005, O Mundo, p. 20

Numa operação especial, Lucio Gutiérrez consegue deixar seu país mas não se livra da ameaça de extradição

QUITO E BRASÍLIA. Às 5h55m de ontem (7h55m em Brasília) o pesadelo terminou. Depois de quase quatro dias de tensão, o embaixador brasileiro em Quito, Sergio Florêncio, despediu-se do ex-presidente do país, Lucio Gutiérrez, deposto quarta-feira pelo Congresso, na base área de Latacunga, a 80 quilômetros da capital equatoriana. Gutiérrez, sua esposa Ximena e a filha mais nova do casal, Viviana, de 15 anos, embarcaram no avião da Força Aérea Brasileira (FAB) enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva rumo ao Brasil.

Salvo-conduto foi entregue na manhã de sábado

O embaixador recebeu o salvo-conduto ¿ instrumento jurídico necessário para que Gutiérrez, um asilado político, pudesse abandonar o país ¿ na manhã de sábado, mas foram necessárias várias horas de preparação para elaborar uma estratégia segura de saída do Equador. Às 4h de ontem, vestindo o uniforme do Grupo de Operações Especiais (GOE) da polícia equatoriana, o ex-presidente (que colocou uma touca ninja para evitar ser reconhecido) e o embaixador saíram pela porta dos fundos da residência diplomática e foram levados a uma base aérea próxima ao aeroporto internacional Mariscal Sucre, em Quito. Lá encontraram a esposa de Gutiérrez e suas duas filhas, Viviana e Carina, de 20 anos, e todo o grupo foi transportado de helicóptero até a base de Latacunga.

O avião da FAB aterrissou às 5h35m no Equador e não teve tempo sequer de desligar os motores. Em meio a um clima de muita tristeza, já que a filha mais velha do ex-presidente decidiu permanecer no país, Gutiérrez agradeceu a ajuda do governo brasileiro, se despediu de Carina e embarcou. O embaixador e a jovem retornaram a Quito.

¿ Ele (Gutiérrez) tentou se mostrar forte, mas estava deprimido, calado. Durante os dias em que esteve conosco nos dizia que a vida é assim mesmo, mas dava para ver que estava muito abalado ¿ contou o embaixador Florêncio, visivelmente cansado depois de enfrentar uma das crises mais difíceis de sua carreira diplomática.

¿ Prestei serviço no Irã entre 1977 e 1981, e lá presenciei situações dramáticas. Mas esta, com certeza, foi uma das mais delicadas ¿ disse ele.

Brasil recebe ex-presidente com segurança especial

No Brasil, seguranças do Palácio do Planalto, policiais federais e até um helicóptero da Presidência da República foram usados na recepção a Gutiérrez. Foram seis horas de viagem até o desembarque na Base Aérea de Brasília, às 13h32m. Cabisbaixo e vestindo um terno preto, Gutiérrez foi o primeiro a descer, pela porta traseira do avião. Minutos depois, ele, a mulher e a filha embarcaram no helicóptero Super Puma, geralmente utilizado pelo presidente Lula em seus deslocamentos, e seguiram direto para o Hotel de Trânsito dos Oficiais do Exército, onde ficarão hospedados por enquanto.

Durante o vôo, ex-primeira-dama equatoriana agradeceu várias vezes a ajuda do governo brasileiro:

¿ Que Deus lhes pague, porque nós não podemos pagar ¿ disse Ximena.

Ela e o ex-presidente também quiseram saber detalhes sobre a vida em Brasília, perguntando, por exemplo, sobre uma escola para a filha.

Mas, ao descer, a primeira preocupação de Gutiérrez foi não dar declarações à imprensa. Pelo acordo de concessão do asilo político, ele não está autorizado a se pronunciar. O presidente deposto também manifestou interesse em falar com Lula, mas assessores do presidente brasileiro disseram que ele deve manter-se afastado da questão para não criar problemas com o novo governo do Equador .

Além da tripulação, composta por 12 militares, estavam no avião os diplomatas brasileiros Ênio Cordeiro e Manuel Gomes Pereira.

Em Brasília, o casal Gutiérrez e a filha ocupam duas suítes no Hotel do Exército. A segurança está sendo feita por quatro policiais federais. Amanhã, o ex-presidente do Equador deve encontrar o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para pedir formalmente o asilo territorial.

As despesas do resgate foram custeadas pelo governo brasileiro. A expectativa em Brasília é que Gutiérrez saia o mais rápido possível do hotel militar. O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello lembrou ontem que eventuais crimes cometidos pelo ex-presidente equatoriano não serão julgados no Brasil. A presença de Gutiérrez no país, disse o ministro, é regida pelas regras internacionais do asilo político.

O STF só tratará do assunto se houver um pedido de extradição por parte do governo do Equador. A ação, que está sendo cogitada por fontes do governo equatoriano, faz parte do acordo entre os dois países para o salvo-conduto.