Título: Visita do Império
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 26/04/2005, Panorama Político, p. 2

Ao contrário do que se tem lido com freqüência nestas vésperas da chegada da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, a Alca não estará no centro de suas conversas com o governo brasileiro. A instabilidade política na região andina, ilustrada pela crise no Equador, interessa-lhe muito mais. E Chávez, com quem o ministro Dirceu foi ter uma conversa ontem em Caracas.

Diz-se que nome dela deriva da expressão italiana ¿condolcezza¿, ou com doçura. Apesar das asas de falcão, ela chega de fato com um discurso macio em relação ao Brasil, já tendo feito declarações lisonjeiras, como a de que nosso programa nuclear não lhe causa a menor preocupação. E este foi o tema que dominou a visita de seu antecessor, Colin Powell, em outubro passado, embora ele tenha jurado que a imprensa é que o pôs em pauta. A AIEA havia inspecionado as instalações de Resende (RJ) e a imprensa americana dera notícias de preocupação dos EUA com o destino do urânio brasileiro enriquecido.

A Alca, cujas negociações estão paralisadas há quase dois anos, pode até entrar marginalmente nas conversas, mas este não é um assunto afeto ao Departamento de Estado, explica o Itamaraty, e sim ao USTR, organismo encarregado da política comercial externa. Na visita de Powell, tratou-se de Haiti, Venezuela e reforma da ONU. Estes três temas continuam em pauta, agregando agora a situação no Equador e outros tremores na região, além da eleição na OEA.

Em relação ao Equador, o Brasil explicará a concessão do asilo a Lucio Gutiérrez, seguindo sua tradição humanitária e os tratados de que é signatário, depois de ter consultado os demais vizinhos. Programou uma visita ao país dos chanceleres do Conselho Sul-Americano (Brasil, Bolívia e Peru), agregando ainda a Argentina, que preside no momento o Grupo do Rio. Um contato para externar o empenho e oferecer a colaboração dos vizinhos para a normalização institucional do país.

Em relação à reforma do Conselho de Segurança da ONU, não se espera uma declaração de apoio à pretensão brasileira. Já será muito bom se ela ficar no padrão de Powell, que qualificou o Brasil de ¿um sólido candidato¿. Recentemente, Condoleezza externou o apoio americano ao Japão, que integra o G-4 com Brasil, Índia e Alemanha. Os quatro são postulantes e há quem veja nisso bom sinal. O Brasil apóia o chamado projeto A, que abre seis vagas de membros permanentes, inclusive duas para o continente africano. A Argentina prefere o projeto B, que amplia mais o Conselho mas com membros rotativos.

Chávez continua sendo um espinho na garganta do Império. O Planalto diz que a visita de Dirceu já estava programada, mas há indícios de que foi apressada, em sintonia com o desejo dela de que Lula e o Brasil exerçam ascendência maior sobre Chávez. Isso foi tratado quando Dirceu visitou Condoleezza. Se agora ele trouxer, por exemplo, alguma mensagem tranqüilizadora de Chávez a respeito das armas que vem comprando, terá feito um gesto de atenção. Outra incorreção que tem circulado é a que atribui a vinda de Condoleezza a um convite de Dirceu. Na verdade, quem a convidou foi o chanceler Celso Amorim, logo depois que ela tomou posse, em 27 de janeiro, e lhe telefonou.

As eleições para a presidência da OEA são um divisor. Os EUA apóiam o mexicano Dervez e, o Brasil, o chileno Insulza. Sem doçura, ela deve ainda cobrar mais vigilância sobre a tríplice fronteira e a imigração ilegal de brasileiros.