Título: UM ESTADO EM PÉ DE GUERRA
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 26/04/2005, O País, p. 3

PF já planeja chamar o Exército para conter protestos contra reserva indígena em Roraima

Com a crescente tensão na área da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, bloqueio de estradas e até mesmo o seqüestro de agentes federais, a direção da Polícia Federal já trabalha com a hipótese de recorrer ao Exército para conter o clima de rebelião de índios, arrozeiros e políticos no estado. Ontem, mais 70 policiais federais recrutados em diversos estados foram mandados para Roraima. O número de policiais na região já chega a 230. Mas, ainda assim, o risco de descontrole é cada vez mais evidente.

¿ Se essa situação continuar, se houver acirramento dos ânimos, a solução é pedir o apoio mais efetivo do Exército para a preservação da ordem ¿ disse o coordenador-geral de Defesa Institucional da Polícia Federal, Wilson Damázio.

Até agora, o Exército se limita a dar apoio logístico à Operação Upatakon (terra nossa, na linguagem indígena). Os militares montaram barracas e fornecem a alimentação nos seis postos das polícias Federal e Rodoviária Federal instalados na BR-174 e dentro da reserva. Mas, com o recrudescimento do clima de tensão, o plano é pôr as tropas na linha de frente para manter a ordem e impedir novas ações de sabotagem contra a homologação da Raposa Serra do Sol em terras contínuas.

PF diz que omissão da PM é clara

A PF começou a cogitar o reforço das Forças Armadas porque desconfia que a Polícia Militar, sob o comando do governador Ottomar Pinto, está deliberadamente se omitindo diante dos riscos de distúrbio no estado. Ottomar é contrário à demarcação em terras contínuas.

¿ Está clara a omissão da Polícia Militar de Roraima em todos esses episódios ¿ diz um delegado federal que acompanha de perto os desdobramentos da Operação Upatakon.

Macuxis de diversas aldeias contrários à demarcação em terras contínuas estão se deslocando para a aldeia Flechal, onde quatro policiais federais, inclusive um delegado, estão sendo mantidos reféns desde sexta-feira. Grupos de índios e não-índios bloqueiam a BR-174, que liga o Brasil à Venezuela e a pista de acesso às vilas no interior da reserva.

Esses grupos são contra a demarcação em terra contínua. O decreto foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 16. Às 18h de hoje, Ottomar se reúne com os ministros da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e da Coordenação Política, Aldo Rebelo, para tratar do assunto.

Dirigentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) se reuniram ontem com os líderes da Sociedade de Defesa dos Índios Unidos do Norte de Roraima (Sodiur), apontados com os responsáveis pelo seqüestro dos policiais federais e por parte do bloqueio de pelo menos duas pistas na região. São os líderes da Sodiur que controlam a Flechal e pelo menos mais sete aldeias. Ao todo, o grupo tem influência reconhecida sobre quase seis mil macuxis, ou seja, quase um terço dos 16,4 mil índios que vivem na Raposa Serra do Sol.

Parte destes índios está indo a pé ou de carro de outras aldeias para a Flechal. Segundo o secretário estadual de Comunicação, Rui Figueiredo, os índios estão irredutíveis.

¿ Os índios estão indignados. Não aceitam a homologação em terras contínuas ¿ disse.

Reunidas em Brasília desde ontem, diversas entidades que integram o Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas querem a homologação como foi determinada pelo governo Lula. Na avaliação de dirigentes destas entidades, que participam do chamado "abril indígena", políticos de Roraima e fazendeiros, com o apoio de alguns índios no estado, tentam manipular a opinião pública. No fim do encontro, na sexta-feira, as entidades irão fazer uma defesa da decisão do governo.

¿ O governo federal não pode ceder a esses políticos e empresários. Eles colocam alguns poucos índios na frente do protesto para tentar confundir a opinião pública ¿ disse o cacique Jecinaldo Saterê Mawé, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab).

Entidades cobram criação de conselho

As entidades cobram do governo a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista, uma promessa de campanha de Lula. Os dirigentes das entidades querem ainda que o governo regularize 14 terras e as declare de posse indígena.

O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) recebeu ontem quatro índios da reserva Apiterewa, no Pará, que pedem a intervenção do governo federal para retirar madeireiros, grileiros e pistoleiros da região. A reserva, de 700 mil hectares, abriga 728 índios das aldeias Xingu e Apiterewa, que está em processo de demarcação desde 1993.

Segundo o comandante Camilo de Lelis, do GSI, setores do governo estão se articulando para resolver o problema. Os índios querem a presença da Polícia Federal e do Exército na área para desarmar os invasores.

¿ Queremos ajuda para desarmar os pistoleiros. O problema da terra é a invasão de grileiros e pistoleiros com armas, que estão nos ameaçando de morte ¿ afirmou o índio Ticoa.

COLABORARAM Evandro Éboli e Luiza Damé