Título: A VISITA DA PIANISTA DOS `VULCANOS¿
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Globo, 26/04/2005, Opinião, p. 7
Quando de sua primeira campanha presidencial, George W. Bush reuniu, para ajudá-lo na área de política externa e de defesa, um restrito grupo de assessores que já havia trabalhado diretamente com os presidentes Reagan e Bush. Integrado por Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Colin Powell, Paul Wolfowitz, Richard Armitage e Condoleezza Rice. Esse grupo logo ficou conhecido como os ¿Vulcanos¿, em alusão ao deus romano do ferro e do fogo, justamente pelas suas duras posições no campo internacional.
Nos primeiros quatro anos da administração George W. Bush, Condoleezza Rice, como assessora de segurança nacional na Casa Branca, manteve uma atitude discreta, mas sempre com forte influência nas decisões mais importantes da política externa americana.
Em 2001, coordenou um dos documentos modernos mais importantes dos EUA, a Doutrina de Segurança Nacional. Nele fica explícita a filosofia da ¿paz através da força nas relações internacionais¿, com ataques preventivos e mudança de regime em países que ameacem a segurança nacional americana e que passou a ser a marca registrada da ação unilateral da única superpotência global.
Na segunda administração Bush, Rice substituiu Colin Powell como secretária de Estado. Dada a proximidade anterior com Bush, Rice está executando a política externa definida pelo presidente, que, na verdade, em larga medida é a dela, não se esperando assim grandes inovações na substância.
Rice, entretanto, introduziu significativas mudanças no estilo da ação diplomática. Estilo pulso forte com delicadeza, ao contrário de Colin Powell, que relutava em viajar e preferia manter seus contatos por telefone, a secretária de Estado, nos três primeiros meses de governo, já visitou 22 países.
Hoje, em mais um de seus périplos, Rice chega ao Brasil. Em seguida deverá participar no Chile de reunião da Comunidade da Democracia, além de visitar a Colômbia e El Salvador.
A primeira visita de Condoleezza Rice à América Latina ocorre em um dos momentos de mais baixa prioridade atribuída pelos EUA à região, o que explica, em parte, a gradual perda da influência americana, evidenciada na sucessão do secretário-geral da OEA.
E coincide com um período de perturbação política, sobretudo na Bolívia e no Equador, onde os presidentes foram forçados a renunciar, e de instabilidade na Venezuela e na Colômbia.
As relações bilaterais entre Brasil e EUA, no entanto, estão em excelente nível, como demonstram as recentes visitas de Colin Powell, no final de 2004, de Donald Rumsfeld, no início de 2005, e agora de Condoleezza Rice.
Refletindo a importância do Brasil no contexto regional, o principal foco das conversações certamente recairá sobre a situação regional e a percepção do governo brasileiro sobre a evolução política, econômica e social de nossos vizinhos. No Brasil, Rice deverá anunciar a política americana para a América Latina.
A América Latina sempre foi uma preocupação distante e episódica para a secretária de Estado e a visão de Brasília sobre a situação regional poderá certamente ser útil para a Casa Branca e o Departamento de Estado.
Não faltarão temas regionais como Venezuela, Equador, Bolívia, Haiti e a situação da OEA, bem como questões globais, como reforma das Nações Unidas, Iraque e Oriente Médio, a preservação e o fortalecimento da democracia, o livre-comércio, o desenvolvimento sustentado, a não proliferação nuclear, deverão ser mencionadas.
É possível que o tema Alca seja tratado nos encontros no Brasil, sobretudo depois das declarações, logo retificadas pelos ministros Celso Amorim e José Dirceu, de que o Brasil tirou a Alca da pauta do governo.
Três outros assuntos poderão ser também abordados: a viagem ao Brasil do presidente George W. Bush em novembro próximo, a realização da Cúpula América Latina-Oriente Médio, e a crescente presença da China na região.
Carismática, dura, mas suave (é pianista clássica bissexta), dependendo do quadro político interno nos EUA, Condoleezza Rice poderá, em quatro anos, estar no centro dos acontecimentos sucessórios, como curiosamente admitiu em ato falho, logo corrigido, em recente entrevista em Moscou.
RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do conselho de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).