Título: CONSUMIDOR ENDIVIDADO: PRESIDENTE RECLAMA DO COMODISMO DA CLASSE MÉDIA
Autor: Patricia Eloy, Cleide Carvalho e Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 26/04/2005, Economia, p. 19

Lula critica quem `não tira traseiro da cadeira para mudar de banco¿

Declaração é feita menos de uma semana após BC subir juros de novo

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem o comodismo da classe média, afirmando que as pessoas reclamam dos juros dos bancos e dos cartões de crédito, mas ¿não tiram o traseiro da cadeira¿ para mudar de banco ou tentar conseguir taxas de juros mais baixas. Ao sancionar a lei do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, ao lado de Paul Singer, secretário da área, Lula disse que seu governo, ao implantar programas de microcrédito, está transformando o Brasil de ¿país capitalista em país com capital na mão do povo¿.

Para Anefac, discurso do presidente é inócuo

As declarações do presidente foram feitas menos de uma semana depois de o Comitê de Política Monetária do Banco Central, o Copom, ter elevado a taxa básica de juros da economia pela oitava vez seguida, para 19,5% ao ano.

¿ Às vezes o cara está no bar, com um grupo de amigos, tomando um chope, o que é um direito dele, está lá xingando o banco, xingando os juros, mas no dia seguinte é incapaz de levantar o traseiro da cadeira e ir no banco mudar. É o comodismo das pessoas, que reclamam de noite e de dia se conformam. Não há uma ação ¿ disse Lula, sorrindo e acrescentando:

¿ Se as pessoas tivessem consciência, não pagavam 8% de juros ao mês, até porque não é pobre que tem cartão de crédito, é uma classe mais sabida intelectualmente, de maior posse.

O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), Miguel de Oliveira, disse que é inócuo o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao chamar a classe média de comodista pelo fato de não procurar um banco com juros mais baixos. Ele explicou que as taxas do cartão de crédito, citadas pelo presidente, e do cheque especial são muito semelhantes em todo o sistema financeiro, inclusive nos bancos públicos: Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

¿ Nesse tipo de crédito, as pessoas não têm alternativa. Você sai de um banco para entrar em outro e a taxa é muito parecida ¿ afirmou Oliveira.

Ele afirmou que no caso do cartão de crédito ¿ que tem uma taxa média de 10,13% ao mês e de 218,32% ao ano ¿ faltam opções e as administradoras são poucas. O mesmo acontece com o cheque especial, disse Oliveira, que têm taxa média mensal de 8,25%. Para ele, o discurso do presidente Lula só faria sentido se os bancos públicos cobrassem taxas mais baixas, o que não ocorre. Pelo levantamento do Banco Central de março, no cheque especial, por exemplo, a Caixa Econômica cobra 7,22% e o Banco do Brasil, 7,66% ao mês. Em seguida, estão o Itaú, com 7,80%, e o Bradesco, com 8% ao mês.

Com a sanção da lei do microcrédito ontem, trabalhadores formais e informais já podem recorrer aos recursos do programa para financiar seu negócio próprio. Mas para isso é preciso que os interessados sejam associados a uma cooperativa de crédito, que irá assinar o contrato com bancos oficiais.

Os programas de microcrédito, disse Lula, colocarão em circulação R$600 milhões.

¿ Digo todo santo dia: estamos transformando o Brasil, que é um país capitalista, num país com capital na mão do povo, ou seja, com um pouco de dinheiro ¿ afirmou.