Título: CONSUMIDOR ENDIVIDADO
Autor: Patricia Eloy, Cleide Carvalho e Fabiana Ribeiro
Fonte: O Globo, 26/04/2005, Economia, p. 19

Luz amarela no crédito

Volume de cheques sem fundos e inadimplência nas financeiras batem recorde

Aforte expansão do crédito facilitado, a elevação das taxas de juros e o recente crescimento nos níveis de inadimplência colocaram economistas, financeiras e comércio em alerta. Em março, o volume de cheques sem fundos registrou recorde histórico e, no mesmo mês, a inadimplência nas linhas de crédito pessoal também atingiu o patamar inédito de 18,5%. Especialistas já falam numa bolha de crédito, que pode estourar nos próximos meses, com a manutenção dos juros altos ¿ que encarecem a contratação de novos empréstimos para quitar débitos anteriores ¿ e do aumento nas taxas de desemprego, que subiram em janeiro e fevereiro.

Pesquisa da Serasa mostra que, de cada mil cheques compensados, 20,8 foram devolvidos em todo o país no mês passado. É a maior taxa já apurada pela pesquisa, iniciada em 1991. O recorde anterior era de maio de 2003, quando 17,6 cheques a cada mil não tinham fundos. Frente a março de 2004, houve alta de 20,9% no volume. Naquele mês, a taxa de devolução foi de 17,2 a cada mil, num total de 3,2 milhões de cheques sem fundos. Em relação a fevereiro deste ano, o salto foi de 31,6% sobre a taxa de devolução de 15,8 cheques por grupo de mil.

Juro alto dificulta renegociação

André Chagas, economista da Serasa, afirma que a alta inesperada da inadimplência, principalmente com pré-datados, é uma combinação de inflação alta e renda estagnada num momento em que o consumidor precisava pagar as dívidas contraídas no fim do ano passado. Com o aumento da venda a crédito no fim de 2004, em março o consumidor acumulou dívidas com pagamento de impostos, como IPVA e IPTU, e gastos com material escolar e com a Páscoa. Para piorar a situação, aumentaram gastos essenciais, como transporte e alimentos. Segundo Chagas, a sazonalidade explica apenas parte da alta da inadimplência, já que o calote não cresceria com emprego e renda em alta:

¿ Março uniu o efeito da sazonalidade, já que o mês é tradicionalmente de inadimplência alta, com uma situação mais difícil para o consumidor. Acendeu a luz amarela. O juro já reduziu a atividade da indústria e a devolução de cheques pode sinalizar que o efeito da retração começou a chegar no comércio.

Dados da Fecomércio-SP mostram que, na Região Metropolitana de São Paulo, a inadimplência atingiu em março e abril o maior patamar desde julho de 2004: 45% dos consumidores estão com as contas em atraso. Em janeiro deste ano, a taxa estava em 36%. Entre os inadimplentes, 22% avaliam que não conseguirão honrar compromissos de curto prazo.

¿ O crédito cresceu fortemente, mas a renda não acompanhou, gerando inadimplência. E o Banco Central continua subindo os juros, o que dificulta a renegociação de dívidas ou contratação de novas linhas. Estamos vendo a formação de uma bolha de crédito. A tendência é de que a bolha se rompa ¿ diz Fábio Pina, assessor econômico da Fecomércio-SP.

A inadimplência também cresceu nas financeiras. José Arthur Assunção, vice-presidente da Fenacrefi, instituição que reúne o setor e empresas de crédito, afirma que o não pagamento de dívidas, que estava estacionado em 17% no início do ano, saltou para 18,5% em março.

¿ A taxa nunca esteve em nível tão elevado. Os números são alarmantes: fomos além do que seria apenas uma tendência sazonal ¿ diz Assunção.

Gastar mais do que ganha é um dos problemas de Josilene de Souza, 19 anos. Seu salário de R$423 não corresponde a seus gastos. Todo mês, ela paga os juros do cheque especial e divide seus gastos em três cartões de crédito. Por conta disso, está atrás de um empréstimo em financeiras:

¿ As contas não batem, já que tenho custos fixos mensais de R$200. O jeito é buscar empréstimos, mas no fim do mês, estou zerada.

A pedra no sapato do consumidor chama-se juros altos por causar achatamento da renda, diz Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Anefac, instituição que reúne executivos de finanças. Mas há outros fatores, como o crescimento no número de contas bancárias no país, alerta ele:

¿ A bancarização fez com que muita gente passasse a ter acesso a crédito. E mais consumidores passaram a emitir cheques pré-datados.

Para Roberto Cury, vice-presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio (Sindilojas-Rio), é justamente o alto número de pré-datados um dos responsáveis pela inadimplência, além dos altos juros e da elevada carga tributária:

¿ Já estamos sentindo queda nas vendas, porque o consumidor está com o orçamento comprometido.

Para Gilberto Catran, diretor da Aloserj, que reúne os lojistas de shoppings do Rio, o quadro pode piorar com as compras de Dia das Mães.

¿ Desde dezembro, já havia uma preocupação com a inadimplência. As facilidades nos crediários não estão no mesmo ritmo do poder aquisitivo das pessoas ¿ diz Catran.