Título: `TEMOS QUE REFUNDAR A REPÚBLICA¿
Autor: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo, 26/04/2005, O Mundo, p. 25

Presidente do Equador pedirá a extradição de Gutiérrez, a quem deu salvo-conduto a contragosto

Do lado de fora do Palácio de Carondelet, no centro de Quito, um pequeno grupo de manifestantes insiste em pedir a renúncia da todos os congressistas e funcionários do Estado. Do lado de dentro, familiares e colaboradores do novo presidente, Alfredo Palacio, ex-vice de Lucio Gutiérrez, tentam pôr a casa em ordem. A crise política que desencadeou a destituição de Gutiérrez ainda paira sobre as novas autoridades do país, que têm pela frente o desafio de reconquistar a credibilidade e o respaldo da população. ¿Temos de refundar a República¿, disse Palacio ao GLOBO. Segundo ele, em breve será pedida a extradição do ex-presidente, asilado no Brasil.

O governo Lula afirmou que o processo em que foi destituído Lucio Gutiérrez não estava plenamente de acordo com Constituição.ALFREDO PALACIO: Não podemos esquecer que em dezembro do ano passado o governo anterior violou a Constituição. O presidente não pode interferir no Judiciário. O presidente não pode convocar o Congresso para que dissolva o Supremo Tribunal de Justiça e designe outro. Tivemos uma seqüência de inconstitucionalidades. Mas o senhor reconhece que, em meio a uma série de atropelos cometidos pelo ex-presidente, o Congresso também cometeu irregularidades ao destituir Gutiérrez por abandono de cargo?PALACIO: Não, de forma alguma. O único poder que existia no país era o Congresso e o povo exigia a renúncia de um presidente que havia deixado de governar. O que podia acontecer? Que desaparecesse o Legislativo e entrássemos numa situação de caos absoluto? Não, o Legislativo ratificou o clamor popular. Até quando os equatorianos terão de suportar a troca antecipada de governos e presidentes que pedem asilo a outros países e terminam escapando da Justiça?PALACIO: Nós tínhamos a obrigação de conceder o salvo-conduto ao governo brasileiro. Foi uma autorização a contragosto?PALACIO: (silêncio) Sim, mas nós deixamos claro no documento do salvo-conduto que ficou reservado ao Equador o direito de solicitar a extradição e vamos fazê-lo, em breve. O presidente Lula lhe telefonou?PALACIO: Não. Kirchner, da Argentina?PALACIO: Não. Lagos, do Chile?PALACIO: Não. A falta de apoio externo lhe preocupa?PALACIO: Este não é um problema do presidente, trata-se do destino de uma nação. Neste momento, dezenas de pessoas estão pedindo, em frente ao palácio de governo, a renúncia de todos os funcionários, congressistas e membros de órgãos estatais. PALACIO: Temos de reconstruir as instituições, porque estão enfraquecidas. Temos um Poder Legislativo que deixou de legislar, um Judiciário que não fazia justiça. O povo se cansou, deixou de acreditar. A economia supostamente melhora, mas existem mais pobres. O povo quer uma mudança de atitude. A mudança de um Estado que caducou. Temos de refundar a República.Os protestos devem continuar?PALACIO: Pode ser que sim, sobretudo porque alguns setores do antigo governo querem criar um clima de caos. Mas os gritos que você está ouvindo são basicamente contra o Congresso.O senhor, que não tem base política, está avaliando a possibilidade de negociar acordos com partidos políticos?PALACIO: Considero que não ter base política representa uma fraqueza, mas essa fraqueza pode se transformar em fortaleza. E essa fortaleza parte do fato de não negociar com ninguém. Não vou favorecer nem prejudicar ninguém. Todos deverão confiar em mim porque devem saber que não quero ser candidato a nada. Deverão se dedicar a trabalhar sem se preocuparem por mim. Deverão canalizar as demandas populares, coisa que até agora não fizeram. Não vou repartir o poder, isso não seria ético. As regras do jogo estão claras.O senhor (um cardiologista de prestígio no país) está ocupando a Presidência da República e é parte da classe política repudiada pela população. Como fará para conquistar a confiança dos equatorianos?PALACIO: Farei a única coisa que posso fazer, trabalhar com a verdade. Esta não é uma grande aspiração em minha vida, tenho outras. Ser presidente não é algo importante para meu currículo, importante para meu currículo seria publicar um livro, dar uma palestra na Europa. Fiz isso toda minha vida e assim quero continuar. Ser presidente é uma grande responsabilidade. Se em algum momento o povo exigir meu afastamento, isso farei. Estou à disposição do povo.O Equador teve sete presidentes nos últimos dez anos. Esta é a última chance do país de iniciar um processo de consolidação democrática?PALACIO: Sim, estamos apostando uma de nossas últimas fichas. Amo profundamente meu país, mas se não fizermos as mudanças necessárias o perigo de dissolução nacional será grande. Até agora a única coisa que fizemos foi recuperar a constitucionalidade de nosso país. Iniciamos um processo de legalização. Mas temos que terminar esse processo e legitimar a democracia. A legalidade não basta.