Título: Armas: o referendo ameaçado
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 27/04/2005, Panorama Político, p. 2

As regras para o referendo previsto no Estatuto do Desarmamento não forem decididas e aprovadas até o fim de maio, a consulta será fatalmente adiada. E nem será para o ano que vem, pois tendo que preparar eleição nacional, o TSE não terá condições de preparar outra votação. Sem o referendo, a lei que proíbe o porte, comércio e uso de armas deixará de vigorar.

Remando contra a corrente que, como disse ontem Luiz Garcia, vai tornando ¿a pólvora perigosamente molhada¿ na campanha do desarmamento, o relator do projeto de regulamentação, deputado João Paulo, apresenta amanhã seu parecer à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. E ontem mesmo esteve com o presidente do TSE, Carlos Velloso, acertando a premissa básica da proposta: a de que a consulta tenha uma só pergunta, redigida da forma mais simples e direta possível.

A pressa e a forma são instrumentos importantes contra a corrente contrária mas dissimulada que vem inviabilizando a realização da consulta. A regulamentação já foi aprovada no ano passado pelo Senado, onde o estatuto tem patrocinadores fortes, como seu próprio autor, o senador Renan Calheiros. Empacou na Câmara, onde a chamada bancada da bala tem boas conexões com o grupo que, a partir da eleição de Severino Cavalcanti, passou a dar as cartas. Ali, o processo legislativo está travado há algumas semanas. MPs bloqueiam a pauta e o governo, tendo perdido o controle sobre sua elaboração, entrou em obstrução. Legítima defesa, pois se não o fizer verá ser aprovada uma emenda que aumenta em um ponto percentual a participação das prefeituras na divisão das receitas. O governo até aceita a mordida, mas desde que se aprove também a parte mais racional da reforma tributária, a unificação das regras do ICMS, que cria a guerra fiscal entre os estados, com todos os seus inconvenientes. Mas isso exige um acordo entre os partidos e com os governadores, que continua sendo tentado mas não é fácil.

O outro complicador da consulta é a profusão de emendas propondo a inclusão de outros temas na consulta. Algumas propõem até 13 perguntas ao eleitor. Para João Paulo, este verdadeiro questionário, além de desestimular a participação, tumultuará a campanha e o debate que devem preceder a consulta. Uma campanha que discutirá, além da renúncia individual ao porte de uma arma de fogo, temas explosivos como aborto, casamento de homossexuais, pena de morte, redução da idade penal, e resultará numa verdadeira algaravia. Sua proposta é dividir o tempo de televisão entre os defensores do projeto (que já têm promessas de participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ex-presidente Fernando Henrique) e os adversários da proposta, que não têm mostrado a cara, exceto os mais exaltados líderes da bancada da bala, como o deputado Alberto Fraga (PMDB-DF).

E, por fim, enquanto a regulamentação fica no lengalenga, entram em circulação os mais cretinos argumentos contra o desarmamento, como os citados ontem por Garcia. Por exemplo, o de que embora tenha havido redução dos chamados crimes banais ¿ decorrentes da posse de uma arma num momento infeliz ¿ o número de homicídios aumentou. Mas estes, praticados pelos que nunca vão depor armas: os soldados armados do tráfico e do crime organizado.

Se a batalha for vencida logo na CCJ e o projeto for aprovado até o fim de maio pelo plenário da Câmara, prometeu Velloso a João Paulo, o TSE baixará imediatamente as normas e começará a preparar as urnas eletrônicas para a consulta em outubro. Mas é grande o risco de que o lobby contrário vença por decurso de prazo.