Título: RETROCESSO
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Fonte: O Globo, 27/04/2005, Editorial, p. 6
A reforma política é a mãe de todas as reformas. Mesmo políticos profissionais admitem que o país estaria hoje em melhor situação econômica e social se, ao começar o longo ciclo de modernização da Carta de 1988 ¿ do qual ainda não saímos e nem sairemos tão cedo ¿ tivesse sido dada prioridade às mudanças na legislação sobre os partidos. Legendas autênticas, lastreadas em projetos de poder claros e definidos, aumentariam o grau de governabilidade do país.
Mas entre o discurso e a prática há uma longa distância. O Congresso, contaminado pelo corporativismo, costuma passar ao largo da imprescindível tarefa de sanear a vida partidária e oxigenar o universo parlamentar. E, pior, quando trata do assunto, há sempre a ameaça de retrocessos.
É o que acontecerá se a Câmara dos Deputados seguir o Senado e aprovar emenda constitucional que revoga a chamada ¿verticalização eleitoral¿ ¿ a subordinação das alianças regionais à composição feita na chapa para disputar a Presidência da República. A norma passou a vigorar em 2002, a partir de uma interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral a uma legislação de 1997. Houve, como não poderia deixar de ser, muitas críticas. Mas os efeitos positivos da verticalização foram visíveis.
Um deles, a inviabilização quase imediata de algumas pré-candidaturas a presidente de baixa densidade eleitoral. A padronização nas coligações não interessa a quem privilegia critérios nas negociações políticas que não sejam linhas programáticas e projetos de governo.
Legendas de pouca ou nenhuma consistência ideológica, e com esquemas de poder assentados em feudos regionais, também tendem a se opor a esse dispositivo da legislação eleitoral. Tudo que impeça ou dificulte alianças seladas com base no fisiologismo e clientelismo contraria a velha e má cultura política brasileira.
O Congresso perde tempo precioso em querer revogar a verticalização das alianças. Em vez disso, deveria dedicar-se a fazer tramitar um projeto razoável de reforma política engavetado na Câmara, e tratar de barrar outras iniciativas retrógradas, como a da atenuação das cláusulas de barreira aos pequenos partidos.