Título: Palavras demais
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/04/2005, O Globo, p. 2

O último dardo flamejante lançado contra o Planalto pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, foi a proposta de ontem de alterar a composição do Comitê de Política Monetária. E até que fosse aprovada, o Congresso aprovaria resolução exigindo que o Banco Central lhe preste explicações sobre cada aumento da taxa de juros. Não tendo encontrado receptividade nem na oposição, a proposta não deve causar os estragos que seriam certos em outra situação política. Irônico é que a leréia política sobre juros foi deflagrada pelo próprio presidente Lula, ao falar de traseiros e comodismos.

Em tudo isso há palavras demais, inúteis e fúteis, ainda que cada um saiba por que lhe coça a língua. Severino está irritado com as medidas provisórias que trancam a pauta da Câmara e com a obstrução do governo, que não lhe deixa aprovar apenas uma fatia da reforma tributária para agradar aos prefeitos, a quem lhes destina mais dinheiro do fundo de participação. O governo só volta ao plenário para aprovar a reforma tributária maior, objeto de nova reunião hoje entre os líderes e os ministros Aldo e Palocci.

O problema das MPs existe mas não será resolvido com pequenas e perigosas vinganças verbais, envolvendo assunto delicado como definição da política de juros, por mais que ela desagrade ao país. Terá que ser resolvido a partir de uma negociação sóbria entre o Congresso e o governo sobre a mudança do rito. E esta negociação já está em curso entre os partidos, faltando agora uma boa conversa entre os chefes dos dois poderes envolvidos. Algo tem que mudar mesmo. O governo, segundo o ministro Aldo Rebelo, aceita algumas das modificações propostas mas quer discutir todo o projeto.

Lula, ao lançar anteontem o programa de crédito para pequenos empreendedores, mais uma vez fez limão da limonada e por causa do improviso. Poderia ter dito que, embora o Copom tenha razões técnicas para manter uma alta taxa Selic, o governo procura oferecer alternativas, como o crédito consignado para trabalhadores e aposentados e agora esta nova linha para pequenos empresários. Mas acabou acusando o brasileiro de ser comodista e não procurar alternativas, uma afirmação inteiramente desnecessária no contexto daquele evento, sem falar que com bancos não funciona a pechincha nem há muito para onde correr. Ontem, no Pará, ele se ateve ao discurso escrito mas é certo que continuará improvisando.

A proposta de Severino foi amplamente bombardeada pelos governistas e criticada até mesmo pelo mais duro dos líderes da oposição, o senador tucano Arthur Virgílio, embora louvando a independência do presidente da Câmara.

¿ Severino, um ser intuitivo, vai ao ponto certo quando ataca os juros altos. Este último aumento da taxa Selic não era necessário, não era esperado nem pedido sequer pelo mercado. Foi um exibicionismo do Copom mas seu caráter técnico nem por isso pode ser comprometido.

Outros líderes oposicionistas também refutaram a proposta, que teve o apoio do vice-presidente José Alencar.

Mas no frigir dos ovos tudo o que está acontecendo no Congresso, da paralisia das votações na Câmara ao aumento da beligerância verbal, tem origem no fato de que a base governista continua insatisfeita e dispersa, embora desfrutando das regalias de ser governo, uma situação que, alguns vão dizer a Lula, não dá para continuar.