Título: Entre Brasil e EUA, a Venezuela
Autor: Eliane Oliveira e Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 28/04/2005, O País, p. 3

Não somos garotos de recado nem de Bush nem de Chávez¿, diz Marco Aurélio Garcia

Os discursos feitos pela secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, em sua visita ao Brasil, dispararam um sinal de alerta dentro do governo brasileiro: o Brasil deve se preparar para um novo embate com os Estados Unidos, que se recusam a aceitar como democrática a gestão de Hugo Chávez na Venezuela. E, como as relações entre brasileiros e venezuelanos nunca estiveram tão boas ¿ com saldo de 26 acordos assinados em diversas áreas ¿ na hipótese de uma ofensiva mais forte dos EUA contra Chávez em fóruns como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a saída seria a abstenção.

Coincidência ou não, a ida do ministro da Casa Civil, José Dirceu, a Caracas um dia antes de a secretária de Estado dos EUA chegar a Brasília é um indício de que, a despeito das críticas e da preocupação dos americanos, Brasil e Venezuela têm agendas em comum. Dirceu, segundo uma fonte do Palácio do Planalto, foi a Caracas costurar um novo encontro entre os presidentes Hugo Chávez, Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, da Argentina. A primeira cúpula de presidentes dos três países ocorreu em Montevidéu, há cerca de dois meses, entre uma e outra solenidade que marcaram a posse de Tabaré Vásquez na presidência do Uruguai.

Aliança não tem data para terminar

Na época, os três chefes de Estado deixaram claro que a aliança que nasceu há pelo menos dois anos não tem hora para terminar. Ao contrário, os assuntos em comum são variados e abrangem desde áreas estratégicas, como energia e comunicações, até a possibilidade de serem adotadas posições conjuntas em negociações com organismos multilaterais de crédito.

A avaliação de fontes do Itamaraty ¿ confirmada recentemente por um integrante do governo americano ¿ é de que os EUA, que antes preferiam o silêncio diante dos inúmeros ataques de Chávez, agora procuram se defender e conseguir o máximo de apoio dos países da região. Isso será feito em Santiago, no Chile, no encontro sobre democracia entre chanceleres do mundo inteiro que começa hoje.

Essa mudança de estratégia leva a crer que o momento é de os EUA saírem do isolamento na América do Sul. Uma forma de os americanos intensificarem a guerra contra Chávez é pôr em suspeição o regime democrático venezuelano na OEA, evocando a Carta Democrática.

O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, negou ontem que o governo brasileiro esteja atuando como mediador na crise entre os Estados Unidos e a Venezuela. Segundo ele, o assunto pode até ter sido abordado na conversa que Dirceu teve com Chávez na segunda-feira, mas isso não significa que o governo esteja negociando uma reaproximação entre os países.

¿ Quero insistir mais uma vez: nós não somos garotos de recado de ninguém. Nem do presidente Chávez nem do presidente Bush. Até porque os dois não necessitam ¿ afirmou Marco Aurélio, após assistir à palestra da secretária Condoleezza no Memorial JK.

Um grupo de dez manifestantes fez protesto do lado de fora do Memorial JK contra a Alca e a posição dos EUA em relação ao Protocolo de Kioto, entre outros temas.

Marco Aurélio Garcia informou também que, na conversa que teve com o presidente Lula, na terça-feira, no Palácio do Planalto, Condoleezza deixou claro que os EUA estão interessados especialmente na intensificação das negociações sobre a Alca, que perderam fôlego depois que o governo brasileiro passou a exigir compensações às possíveis perdas de exportadores brasileiros com a criação do mercado comum.