Título: Fusão, desfusão e muita confusão
Autor: CESAR MAIA
Fonte: O Globo, 28/04/2005, Opinião, p. 7

Silogismo é a conclusão a partir de uma premissa. Silogismo erístico é a conclusão a partir de uma premissa falsa. Para as pessoas de boa-fé, este tipo de sofisma expressa sua angústia na busca da solução de um problema. O Rio visto como um problema não é equação nova. Vem da revolução de 1817, em Pernambuco, e atravessa as revoltas no Império, agrega os republicanos paulistas e gaúchos, ambos confederalistas, com Alberto Sales (A Pátria Paulista), e Júlio de Castilhos. A primeira Constituição da República, de 1891, decretou que o Rio deixaria de ser a capital. Campos Sales dizia que o país era ingovernável desde esta cidade rebelde. E por aí vão os exemplos até o discurso geopolítico que justificou a fusão, na verdade uma fusão de assembléias legislativas, para que o fogo de uma fosse apagado pelo gelo da outra.

Até que deu certo, temos que admitir. Administrativamente, fundir é fácil. A base da fusão foi o Estado do Rio e as funções privativas de Estado, pois o direito adquirido garantia aos servidores da Guanabara, em funções municipais ou concorrentes, optar pela prefeitura do Rio. Lá se vão trinta anos. Que bom teria sido se não tivesse ocorrido, diriam os cariocas. Para os dois lados, diriam os fluminenses, mergulhados em petróleo, gás e royalties. Desconfio que dois plebiscitos, de um lado e do outro, produziriam um amplo apoio tanto aqui quanto lá. E depois? E para quê? Se for para sonhar, que tal fazer como Nova York, que no final de século XIX somou à Ilha de Manhattan sua área metropolitana ¿ Brooklyn, Queens, Staten Island e Bronx ¿ e assim criar um estado somando o Rio e a Baixada? Muito mais racional que o Rio sozinho, já que várias funções são integradas, como transportes, saneamento, saúde, a Baía de Guanabara e, certamente, segurança pública.

Que tal separar a cidade de São Paulo, criando uma cidade-estado? Em 1980, no final do regime autoritário, 6% dos paulistanos estavam abaixo da linha de pobreza. Hoje, são 13%. O Rio, naquele momento, tinha 18% abaixo da linha de pobreza. Hoje, tem os mesmos 13%. Os índices de violência na cidade de São Paulo eram a metade do Rio. Hoje, são os mesmos. Por que não salvar São Paulo? Talvez aqui seja uma discussão mais charmosa. Mas como fazer esta desfusão? Pelas receitas, é possível que a perda de ICMS pelo Estado do Rio seja compensada pelo ganho dos royalties. A redivisão da dívida pública, acrescida à do município do Rio, poderia ser proporcional às receitas totais. Da mesma forma, a dívida ativa.

E as folhas de aposentados e pensionistas, poderiam ser proporcionais às receitas? É possível que os aposentados e pensionistas do Rio criem problemas por causa das taxas de risco completamente diferentes de suas fontes de financiamento e questionem na Justiça os seus direitos. E os servidores ativos? Estes, sim, têm direitos adquiridos e, portanto, podem optar pelo estado que quiserem. Talvez, os que moram no interior, por causa da distância, optem pelo lugar em que vivem. Mas estes representam apenas 10% da máquina estadual, cuja concentração está na região metropolitana, onde optar é muito mais fácil.

E as instalações centrais localizadas no Rio? O Tribunal de Justiça e sua estrutura física e funcional, por exemplo? E suas receitas vinculadas que favorecem a Guanabara? Poderia servir aos dois estados, quem sabe. Mas como os 600 deputados e senadores de todo o Brasil veriam dois estados híbridos e este precedente? E de que maneira os federalistas veriam um estado com meio Poder Judiciário? E quem indicaria os nomes para as listas de nomeação? E quanto ao Tribunal de Contas? No plano das instituições, seriam criadas duas assembléias constituintes, que certamente fariam constituições não exatamente iguais à atual. Em seguida, viriam as leis de regulamentação e, enquanto isso, teríamos três regimes funcionando na Guanabara: o do Estado do Rio de Janeiro atual, o da prefeitura do Rio e aquele do novo Estado da Guanabara. Além dos dois regimes no novo Estado do Rio.

E a segurança pública? Como fazer se ocorrer uma desproporcionalidade nas opções de pessoal em direção à Guanabara? O novo Estado do Rio ficaria sem polícia durante alguns anos? E o custo deste processo? Durante alguns anos ¿ talvez vinte ¿ ocorrerão duplicidades e triplicidades e aí teríamos um gasto público ampliado sem que os serviços o sejam. Quem financiaria? Os demais estados estarão dispostos a financiar este gasto adicional? O orçamento da União o faria? Seriam criados impostos para isso, onerando a população dos dois novos estados? ¿Que bom se não tivesse havido a fusão¿, talvez digam hoje cariocas e fluminenses. Mas desfazê-la não seria a desfusão, seria a confusão. Se há problemas a serem superados, adotar o caminho da confusão e nos lançarmos numa aventura de vinte anos certamente não será a solução. Na melhor hipótese, um silogismo erístico proposto por pessoas de boa vontade, lúdicas, líricas em reuniões festivas cheias de glamour e de ambages.

Por vício de formação eu diria: vamos tratar de coisas práticas, há muito o que fazer.

CESAR MAIA é prefeito do Rio de Janeiro.