Título: DEPOIS DE 30 ANOS, A REFLEXÃO
Autor: PAULO RABELLO DE CASTRO
Fonte: O Globo, 28/04/2005, Opinião, p. 7

As indagações têm sido constantes e crescentes em intensidade. É como se o Rio despertasse para um novo sonho possível, uma vida ainda não vivida.

É natural que a possibilidade da recriação de uma cidade-estado no Rio, tal como o foi nos anos magníficos de 1960 a 1975 ¿ o Estado da Guanabara ¿ desperta a paixão dos que lhe são favoráveis, as dúvidas de uma boa maioria sobre ser possível esse sonho, e a negativa dos que têm interesses firmados em torno da atual ordem, imposta de cima para baixo, pela vontade de um único homem: Ernesto Geisel.

O Rio Cidade-Estado tem uma chance real de resgatar o Rio, primeiro da violência, por uma polícia nova de alto a baixo (o novo estado terá sua própria polícia) até pela redescoberta da massa cinzenta, como grande fator da produção carioca, através de todas as suas indústrias de serviços, indústrias empregadoras de gente e de talentos, a começar pelo turismo e os esportes, passando pelas mídias audiovisuais, pelo design, pelos serviços financeiros nacionais e internacionais, pelas pesquisas científicas e pelas atividades de acumulação de conhecimento, como a educação.

Tudo isso será possível, no Rio Cidade-Estado, sem duplicação das estruturas administrativas (claro, o município apenas ¿vira¿ estado) sem aumento total de cargos políticos ou eletivos, aliás com ampla economia potencial de gastos públicos e, portanto, de redução de impostos.

De todos esses argumentos fortes e favoráveis à separação integradora, das vocações dos dois lados da Baía de Guanabara, o grande beneficiário será também o Estado do Rio, com os novos pólos industriais que darão dinamismo às cidades de porte médio no interior mas nenhum desses argumentos é tão importante quanto três palavras apenas: direito à consulta.

Para se saber se devemos ou não optar por uma separação fertilizadora e útil, temos que votar ¿sim¿ ou ¿não¿, num plebiscito que já demora trinta anos para ocorrer. Trinta anos não são trinta dias, nem trinta meses. Trinta anos de espera merecem algum respeito e bastante consideração. Até o crime obtém o benefício da prescrição em trinta anos. Seria isso que esperam os que militam em prol do adiamento da consulta democrática? A prescrição pelo esquecimento?

Para apoiar a consulta, necessária e urgente, basta aos senadores da Comissão de Constituição e Justiça do Senado mostrarem sensibilidade ao direito constitucional usurpado aos cidadãos deste estado. Argumentos de circunstância serão sempre lembrados e apresentados para adiar a consulta inevitável. Mas nenhum deles desmanchará no ar o grito contra a violação do direito à opinião de cada cidadão carioca e fluminense. Uma violação de trinta anos de duração, cometida no mesmo ano que matou Wladimir Herzog, numa cela de prisão política, em 1975.

A pequena chama de cidadania que se acende na alma das pessoas nesta cidade e neste estado não será apagada facilmente pela força dos interesses nem do status quo.

PAULO RABELLO DE CASTRO é economista.