Título: MAIORIA DO STF APÓIA ABORTO DE ANENCÉFALOS
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 28/04/2005, O País, p. 9

Seis dos 11 ministros do Supremo declaram ser favoráveis à legalização da interrupção da gravidez de fetos sem cérebro

BRASÍLIA. O Supremo Tribunal Federal (STF) abriu ontem caminho para permitir a interrupção de gravidez em caso de feto sem cérebro (anencéfalos). Ao julgar ontem uma questão preliminar sobre o assunto, a maioria dos ministros ¿ seis, de um total de 11 ¿ deixou claro que é favorável ao aborto em caso de anencefalia.

Ontem o STF decidiu que é o foro adequado para julgar a ação que reivindica o direito de grávidas de fetos sem cérebro abortarem. Por sete votos a quatro, os ministros derrubaram a hipótese levantada pelo procurador-geral da República, Claudio Fontelles, de que a competência para discutir o assunto seria do Congresso, já que a interrupção de gestações de anencéfalos não está prevista em lei.

Relator já havia votado a favor

Durante a sessão, os ministros deram a entender que, quando a questão for julgada, esse tipo de aborto será permitido. O relator da ação, ministro Marco Aurélio de Mello, já havia votado a favor da possibilidade do assunto ser examinado pelo tribunal. Ontem, se manifestaram da mesma forma Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence e Gilmar Mendes. O grupo acredita que, como em todos os casos de anencefalia o bebê morre ao nascer, não existe expectativa de vida. Portanto, não há que se falar em aborto.

¿ A saudade é o revés de um parto, a saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu. O feto anencefálico não tem quarto, berço, nem brinquedo. Ele não vai viver ¿ disse Ayres Britto, citando trecho da canção ¿Pedaço de mim¿, de Chico Buarque.

Dessa forma, os ministros derrubaram o argumento de que o Código Penal só prevê aborto em duas situações: quando a gravidez é resultado de estupro e quando há risco de vida para a mãe. Os ministros Eros Grau, Cézar Peluso, Ellen Gracie Northfleet e Carlos Velloso propõem que, para o Judiciário analisar a hipótese de aborto de fetos anencéfalos, o caso deveria antes estar previsto em lei.

¿ Parece-me profundamente antidemocrático. Não há o tribunal de servir de atalho fácil (para legislar) ¿ disse Ellen Gracie.

Na sessão de ontem, cinco dos sete ministros que votaram a favor de o STF julgar o caso adiantaram-se à discussão e opinaram sobre o direito de as grávidas nessa situação interromperem a gestação. O sexto voto que liberaria a prática seria do presidente do Supremo, Nélson Jobim, que já disse ser defensor de todo tipo de aborto.

Dos quatro ministros que votaram contra a possibilidade do julgamento da ação, três também adiantaram posição contrária a esse tipo de aborto: Carlos Velloso, Eros Grau e Cézar Peluso. Ellen Gracie e Gilmar Mendes foram os que se limitaram a examinar apenas a questão de ordem. Se essas opiniões ficarem mantidas até o julgamento do mérito da ação, o STF deve autorizar a interrupção de gestações de anencéfalos.

Supremo vai realizar audiências públicas

Antes disso, porém, serão realizadas audiências públicas com todas as partes interessadas em opinar sobre o assunto: cientistas, acadêmicos, entidades de defesa dos direitos das mulheres e a Igreja Católica. As audiências deverão ser realizadas no tribunal ainda neste semestre. Segundo Marco Aurélio, o julgamento da ação ocorrerá este ano:

¿ Vamos fazer audiências públicas neste semestre e abrir ao máximo o debate.

O tema começou a ter destaque nacional em julho de 2004, quando Marco Aurélio concedeu uma liminar autorizando a interrupção da gestação de fetos anencéfalos. Em outubro, os demais ministros do tribunal cassaram a liminar por considerarem o assunto muito polêmico para ser decidido apenas por um magistrado. Desde então, os ministros recebem cartas e mensagens eletrônicas de diversas entidades e pessoas interessadas no debate.

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