Título: FRAUDE DE R$ 70 MILHÕES NO IR
Autor: Chico Otávio
Fonte: O Globo, 28/04/2005, Economia, p. 25

Operação da Receita e da PF prende dentista que vendia recibos falsos em Vitória

Pouco depois de ser algemado em seu consultório, em Vitória, o dentista Antenor da Silva Junior virou-se para o delegado da Polícia Federal (PF) e disse:

- Doutor, sou funcionário público há 28 anos e o que fiz foi por circunstâncias da vida.

Responsável pelas investigações que levaram à prisão preventiva de Antenor, a Receita Federal do Espírito Santo apurou que, durante três anos - de 2001 a 2003 - o dentista emitiu R$4 milhões em recibos odontológicos falsos para fins de sonegação de Imposto de Renda. Esses papéis foram usados por contribuintes do Espírito Santo, de São Paulo, da Bahia e de Minas Gerais, movimentando um mercado negro de recibos que contava até com um intermediário, Charley Petri Luiz, também preso ontem pela PF.

Iniciada há três meses pela Receita, a Operação Iceberg, destinada a investigar o envolvimento de profissionais de saúde do Espírito Santo em esquemas organizados de sonegação, já comprovou R$17 milhões em recibos falsos emitidos por médicos, dentistas e clínicas de saúde do estado em três anos. A Receita calcula que a renúncia fiscal relacionada ao derrame desses recibos se aproxime dos R$70 milhões.

Antenor respondeu por 24% dos R$17 milhões, razão de sua prisão na manhã de ontem, após um pedido expedido pela juíza da 5ª Vara da Justiça Federal Virgínia Procópio. Há pelo menos mais seis profissionais e cinco clínicas investigados.

Novas detenções são esperadas

A prisão do dentista é a primeira este ano, mas o secretário-adjunto da Receita, Paulo Ricardo Cardoso, afirmou que novas detenções deverão ocorrer nos próximos dias. Só em três estados brasileiros (Minas, Rio Grande do Sul e Bahia) há 284 profissionais liberais investigados pela Receita. A maioria dos processos está em fase de conclusão e será enviada ao Ministério Público. A prisão depende do Judiciário.

Outros 1.105 contribuintes que teriam se beneficiado nesses estados já foram autuados. A Receita estima que os prejuízos giram em torno de R$47 milhões. Cardoso explicou que em meados de 2004 a Receita passou a cruzar os dados das declarações dos profissionais com as informações fornecidas pelos contribuintes:

- Tanto profissionais quanto contribuintes que se valeram desse artifício fraudulento serão processados e representados ao Ministério Público.

Às vésperas do fim do prazo de entrega das declarações de IR - amanhã é o último dia - a delegada da Receita em Vitória, Laura Gadelha Xavier, espera que a prisão do dentista tenha um efeito pedagógico e desencoraje os contribuintes que recorrem aos mesmos expedientes. Os recibos falsos de Antenor foram usados por 569 contribuintes. A maioria dos clientes do dentista tinha renda elevada. Nos cruzamentos, aparecem autoridades e funcionários dos três poderes no estado, incluindo um desembargador aposentado e dois promotores estaduais.

O objetivo da Operação Iceberg - que recebeu este nome por investigar recibos frios e profissionais que se vestem de branco - também é recuperar o dinheiro. Os contribuintes estão sendo chamados a retificar as suas declarações espontaneamente. Quem não atender pode responder a auto de infração, sujeito a multas de 150% do valor sonegado, e também à representação criminal.

Detectados os recibos falsos, o passo seguinte foi obter autorização da Justiça para que a PF interceptasse os telefones de Antenor durante 15 dias. As escutas logo revelaram que o dentista mantinha o esquema e contava com um atravessador em Linhares (a uma hora de Vitória). Em alguns casos, clientes do esquema trocavam recibos com o dentista, para não apresentar uma elevada despesa com serviços de saúde prestados por um único profissional. A certeza da impunidade era tão grande que um dos contribuintes entregou a declaração sem perceber que, numa despesa médica declarada de R$2 mil, escreveu no campo destinado ao profissional beneficiado: "vai levar recibo".

As gravações mostraram, ainda, que o lucro de Antenor girava em torno de 5% do valor do recibo. No momento em que foi preso, Antenor atendia um cliente. Tudo indica que ele estava ali para comprar um recibo, mas a PF não conseguiu provas e o homem foi liberado.

O delegado responsável, Álvaro Rogério Duboc Fajardo, disse que o dentista e Charley serão enquadrados no artigo 1º da lei 8.137, por crime contra a lei tributária. O consultório de Antenor parecia desativado. Para os investigadores, o local só era usado para comercializar os recibos. Alguns destes papéis chegavam aos clientes por Sedex. Durante a investigação, os policiais tentaram marcar uma consulta com Antenor, mas a atendente disse que isso só poderia ser feito ligando para o celular do dentista.

COLABOROU Geralda Doca