Título: As blusas pretas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 29/04/2005, O Globo, p. 2

As mulheres de militares com suas blusas pretas exigindo reajuste salarial para seus maridos já não aparecem a toda hora apenas em Brasília. Surgiram na visita do presidente Lula anteontem ao Pará. Tomaram conta da sessão com que a Câmara homenageou ontem o Dia do Exército. Elas são o rosto visível da insatisfação nos quartéis. Mas da área econômica não vem sinal de que o reajuste de 23% possa ser concedido, muito pelo contrário. O presidente Lula acabará tendo que chamar para si a solução do problema.

O sinal que vem da área econômica é de mais aperto orçamentário. Anteontem o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) e alguns secretários de Agricultura foram ao ministro Palocci levar um documento pedindo mais investimentos no setor, demonstrando que os recursos vêm caindo ano a ano. Ouviram do ministro que o cobertor está cada vez mais curto. Que a arrecadação cresceu 1,2% mas as despesas da Previdência cresceram 2,7% até agora, em relação ao Orçamento aprovado. Deixou claro que, se o Congresso não aprovar medidas duras, como a MP 242, que mexe no cálculo de alguns benefícios do INSS, será preciso um novo contingenciamento. Apesar de tudo isso, o reajuste foi prometido aos militares e um dos estigmas mais negativos do governo Lula é o de não cumprir acordos.

A sessão da Câmara acabou sendo mais voltada para as galerias, onde estavam as mulheres, do que para o plenário, onde sentavam-se generais estrelados e altos oficiais. Falou-se mais da questão salarial (e dos magros orçamentos militares) do que do papel construtivo que as Forças Armadas vêm tendo na democracia. O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, fiel a seu ideário corporativista, apoiou a reivindicação e cobrou do governo o compromisso assumido. Houve um momento extremamente desagradável. Elas aplaudiram todos os oradores que falaram da questão, mas ficaram de costas quando discursou a deputada do PT Maninha. E, ao que tudo indica, não pelo que ela disse, mas por sua orientação ideológica. Um dos grupos militares que estimula o movimento das mulheres é o Ternura - Terrorismo Nunca Mais, que denuncia crimes da luta armada e combate a concessão de anistia a vítimas do regime militar.

Mais tarde as mulheres tiveram um encontro com o ministro da Defesa e vice-presidente José Alencar, que prometeu tratar do assunto diretamente com Lula. Ele admitiu que os 10% de reajuste concedidos em 2004 não repõem sequer um terço das perdas acumuladas nos últimos anos (boa parte no governo passado). E aproveitou, é claro, para dizer que a falta de recursos deve-se ao grande gasto do governo com juros.

Assuntos complicados estão se misturando e isso recomenda atenção.

Condoleezza mais dura

Ontem na Colômbia, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, foi mais dura que no Brasil ao atacar o governo de Hugo Chávez: "As atividades venezuelanas na região podem ser desestabilizadoras", disse depois de um encontro com o presidente Alvaro Uribe, num momento em que volta a subir a tensão entre os dois países vizinhos. No Brasil, embora tenha dispensado qualquer mediação junto a Chávez, ela esbanjou charme e habilidade, deixando o governo Lula exultante com tanta atenção. Chegou a dizer ao chanceler Celso Amorim que não queria "venezuelizar" sua visita ao Brasil.

O tom de ontem, entretanto, reforçou nos observadores internacionais a sensação de que os Estados Unidos se preparam para aumentar a pressão contra a Venezuela. Se isso vier a acontecer, estará o governo brasileiro no dilema de escolher entre o apoio a Chávez e a boa relação com os Estados Unidos.

Enquanto Chávez confraternizava ontem em Havana com Fidel Castro, assinando um acordo para criar a Alternativa Bolivariana, Alba, uma espécie de Alca sem os EUA, seu ministro da Fazenda decretava o tabelamento de juros e outras medidas contra os bancos. Tudo contribui para elevar a temperatura.

As trocas

O ministro Antonio Palocci avisou que a dança de cadeiras no Ministério da Fazenda não afetará a política econômica. Ninguém duvida, até porque está indo para a secretaria-executiva o economista Murilo Portugal, que foi secretário do Tesouro com Fernando Henrique quando ministro e depois com Malan. Ainda assim, setores do PT animaram-se com a mudança. Há quem ache que Murilo Portugal, apesar de ser farinha do mesmo saco, tem mais sensibilidade política e poderá ser um contraponto à autonomia do atual secretário do Tesouro, Joaquim Levy, que o PT detesta.

A entrevista

Enfim, o presidente Lula concede hoje sua primeira entrevista coletiva em moldes tradicionais. Vitória do novo secretário de Imprensa, André Singer. Lula preparou-se para todas as perguntas da vasta agenda negativa que o governo enfrenta mas reservou-se os dez minutos iniciais para falar de iniciativas positivas do governo. Uma isca, segundo auxiliares, ele não morderá. Não fará considerações sobre a sucessão presidencial ou reeleição, mantendo o discurso de que este ano o governo tem é que trabalhar e mostrar serviço, deixando aos partidos o ensaio eleitoral.

COM A DIVULGAÇÃO, nos próximos dias, dos novos dados sobre o desmatamento da Amazônia, o governador Blairo Maggi vai se transformar no belzebu dos ambientalistas. A área total desmatada se mantém em torno de 24 mil quilômetros quadrados; mas enquanto nos demais estados a devastação cai, em Mato Grosso subiu vertiginosamente, passando a responder por praticamente metade do desmatamento total da Amazônia. O atual rei de soja, diz o deputado Carlos Minc, sentou-se no trono de imperador do desmatamento.