Título: RESGATE DE RISCO EM RORAIMA
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 29/04/2005, O País, p. 3

PF monta operação para libertar quatro policiais mantidos reféns por índios

Com apoio de mil homens do Exército especializados em guerra na selva, a Polícia Federal está preparando a Operação José do Egito para resgatar os quatro policiais que, desde sexta-feira da semana passada, são mantidos como reféns na aldeia Flechal, na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. A polícia planeja entrar em ação de hoje até segunda-feira. A operação é considerada de alto risco, mas para a Polícia Federal não vê outra alternativa.

A PF teme que os líderes do seqüestro percam o controle sobre o protesto e índios rebeldes matem os policiais a qualquer momento, se permanecer o impasse nas negociações.

- Está tudo certo, vamos chegar lá e resgatar os policiais sem problemas. As negociações estão se esgotando - confidenciou um delegado da cúpula da Polícia Federal minutos antes de autorizar o superintendente da PF em Roraima, Francisco Mallman, a levar adiante a operação-resgate.

A operação foi chamada de José do Egito em referência a um trecho da Bíblia em que José é resgatado de um poço onde foi jogado pelos irmãos.

"Vamos esgotar os nossos limites"

Depois de inaugurar a nova sede da PF em Foz do Iguaçu, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, disse que as negociações com os índios amotinados estão chegando ao fim. O ministro afirmou que a homologação da reserva em terras contínuas, principal motivo do protesto dos índios macuxis, é irreversível. Bastos deixou claro ainda que não poupará esforços para manter a ordem em Roraima.

- Estamos negociando com uma paciência infinita a soltura desses bravos policiais que se encontram junto com os índios, mas nós vamos esgotar os nossos limites - afirmou.

As tropas do Exército já estão mobilizadas. Boa parte do contingente deverá ser recrutada no Centro de Instrução de Guerra na Selva, de Manaus. Está sendo cogitado também o uso de militares da brigada de pára-quedistas do Rio de Janeiro. O comando do Exército já informou à PF que em poucas horas tem condições de transportar a tropa necessária à operação para as imediações da reserva, onde os policiais estão detidos. Cerca de 250 policiais federais, também especializados em combates na selva, já estão em Roraima prontos para agir.

A intervenção policial-militar começou a ser planejada no início da semana, quando os serviços de inteligência do Gabinete de Segurança Institucional e da PF perceberam que não há disposição dos índios de soltar tão cedo os policiais. A situação se agravou na manhã de ontem, depois que os índios decidiram separar os reféns e levá-los para a mata. Até então, eles estavam num barraco dentro da aldeia.

- O clima está pesado. O nosso medo é que algum índio faça uma besteira e mate um policial - disse um observador da crise.

Aldeia tem 300 índios armados

Para a PF, há risco de derramamento de sangue. Pelos dados da polícia, pelo menos 800 índios estão concentrados na aldeia Flechal, centro da resistência à homologação da Raposa Serra do Sol em terras contínuas. Do total, 300 são guerreiros armados com espingardas, arcos e flechas envenenadas, entre outras armas. Integrantes do governo de Roraima afirmam que mais de 1.300 índios estão acampados na aldeia dispostos a reagir.

- Os índios dizem que não vão soltar os policiais. Eles dizem que estão cansados de ser tutelados pelo Estado. Agora eles querem ser ouvidos - afirmou o secretário de Comunicação de Roraima, Rui Figueiredo.

O protesto contra a demarcação da reserva em terras contínuas está sendo liderado entre os índios pela Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiur), que exerce influência sobre a área de Flechal e outras sete aldeias da reserva. Ao todo, controla mais de 5.800 índios, o que corresponde a quase um terço dos 16.400 macuxis que vivem na reserva.

A PF suspeita que o seqüestro de um delegado e três agentes pelos índios foi articulado por fazendeiros, entre eles o prefeito de Pacaraima, Paulo César Quartieiro. A polícia recebeu a informação de que o prefeito fugiu para o exterior. Ele teria pedido licença da Câmara de Vereadores para se ausentar e foi para Santa Helena, na Venezuela, a 30 quilômetros da cidade.

No exterior o prefeito estaria em contato com líderes do seqüestro por meio de um telefone com conexão por satélite. Quartieiro reivindica a posse de 9,2 hectares de terras na Raposa Serra do Sol. Ele é o maior produtor de arroz da região. Mesmo não tendo título de proprietário, Quartieiro disse que não sai da reserva nem aceita indenização do governo federal.

O repórter viajou a convite da Polícia Federal

AGENTES ESTÃO SEQÜESTRADOS HÁ UMA SEMANA

Uma semana depois da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em terras contínuas, índios macuxi da aldeia Flechal fizeram reféns quatro policiais federais que participavam da Operação Patakon, lançada pelo governo federal para evitar conflitos em decorrência da homologação. Desde sexta-feira passada, os quatro policiais federais estão cercados e mantidos sob a mira de flechas pelos índios.

A criação da Raposa Serra do Sol provocou polêmica desde o começo. A primeira demarcação foi feita pela Funai no governo de Fernando Henrique Cardoso. No início de seu governo, Lula chegou a anunciar a homologação, que ainda não aconteceu. Com a portaria estabelecendo a demarcação em terras contínuas em 15 de abril, a homologação de 1,7 milhão de hectares será a última etapa para garantir aos índios as terras que reivindicam há 30 anos. A área ainda não foi homologada por pressão de políticos e fazendeiros locais. Em janeiro de 2004, ruralistas e índios contrários à reserva fecharam pontes e todas as rodovias de acesso a Boa Vista.

Legenda da foto: EM DEFESA da homologação da reserva Raposa Serra do Sol em Roraima, índios bloqueiam a pista de saída do Congresso, obrigando militares a deixarem o prédio a pé