Título: Equívoco político, preconceito e insensatez
Autor: ROSINHA GAROTINHO
Fonte: O Globo, 29/04/2005, Opinião, p. 7
À falta de argumentos sólidos, o alarido das frases de efeito. Na ausência de dados, a repetição de um mantra preconceituoso. Se a realidade não convém aos interesses do momento, tenta-se o sofisma. Mas se, a despeito das trucagens, a capacidade de convencimento se esvair, bem, nesse caso, os pudores vão-se às favas e usa-se a manipulação pura e simples. Juntam-se, então, ingredientes pérfidos - mentiras, agressões e outras vilanias -- para a construção de um discurso de lógica arrevesada e objetivo dissimulado. Com este método um tanto capcioso, tenta-se erguer as bases do movimento separatista que busca isolar a capital do interior fluminense. Um equívoco político; uma insensatez administrativa.
O Estado do Rio de Janeiro vive um momento singular. Sua economia avança a partir de um planejamento estratégico rigoroso. Os exemplos são inúmeros e sabidos. A repetição, contudo, é necessária para se contrapor com fatos ao inconsistente palavrório dos inconformados. Nosso PIB (98 bilhões de dólares) é maior do que o do Chile; nossa renda per capita é a segunda do país, à frente de São Paulo. Nos últimos dez anos, o crescimento de nossa economia foi de 32,35% contra 25,72% da média nacional. Se fôssemos um país, seríamos o nono maior produtor de petróleo do mundo.
Em 1999, nossos estaleiros lembravam enormes depósitos de ferros contorcidos e oxidados. Operários, não havia; encomenda, tampouco. O quadro era desolador. Hoje, os números contrastam com o passado e apontam para o um futuro ainda mais venturoso: são 19 estaleiros em operação e 27 mil operários. Não é tudo. Volkswagen e Peugeot-Citroën vão produzir juntas 150 mil veículos este ano. A geração de energia correspondia a apenas 40% do consumo. Hoje, com cinco termelétricas em operação, temos um excedente de 20%. Em dois meses, será inaugurado em Duque de Caxias o Pólo Gás-Químico, investimento de 1,2 bilhão de dólares para a produção de polietileno: 15 mil novos postos de trabalho.
Se o presente nos dá a dimensão do futuro, nossos dias serão ainda melhores. Foram anunciados investimentos de R$58 bilhões no estado nos próximos três anos. O mais frondoso refere-se à indústria siderúrgica: a ThyssenKrupp e a Vale do Rio Doce vão aplicar R$7 bilhões na Companhia Siderúrgica do Atlântico nas redondezas do Porto de Sepetiba. O Estado do Rio vai se tornar o maior pólo produtor de aço da América Latina.
A eloqüência destes números não basta para aplacar o preconceito de uns poucos. Não é suficiente para convencer pequena parcela de nossa elite, inconformada com o sucesso de um projeto de desenvolvimento centrado na redução das desigualdades sociais e na distribuição de renda. Isso os incomoda; faz-lhes brotar urticárias, numa irracional irrupção de preconceitos. Sem bandeiras para o enfrentamento direto, atalham para escapismos com a encenação de um movimento separatista, excludente e chauvinista. Nada menos carioca do que isto. A rigor, o espírito carioca é a antítese de todos estes conceitos.
Se a fusão foi um ato de força do regime ditatorial, a desfusão, 30 anos depois, seria um ato inconseqüente para satisfazer o capricho de uma minoria liberal nos costumes e conservadora nos conceitos. Uma elite que, sem perspectivas nas urnas, tenta mudar as regras para recobrar o mando que lhes foi retirado por desejo inquestionável e soberano de cariocas e fluminenses.
Ao contrário do que apregoam os separatistas, a capital não "carrega o interior nas costas". As riquezas do estado advêm equilibradamente das duas regiões. O petróleo, a indústria naval e o pólo automobilístico emprestam dinamismo e vitalidade à cadeia produtiva fluminense. Nossos separatistas querem mesmo é a amputação da parte que lhes interessa, a despeito das conseqüências danosas da iniciativa.
Se o debate é democrático, os resultados de uma eventual cisão territorial seriam desastrosos. Há que se atentar para o aspecto perverso da proposta. A desfusão traria uma poda de R$1,8 bilhão no bolo tributário a ser fatiado com os municípios do interior, especialmente os da Baixada Fluminense, de maior concentração populacional. Ou seja: os separatistas tupiniquins propugnam na verdade um apartheid social. Numa atitude às avessas, inspiram-se na bonomia da capivara para produzir cizânia e exclusão na sociedade.
Não vêem, ou preferem não enxergar, que o problema do esvaziamento econômico da cidade do Rio tem raízes na abrupta e traumática transferência da capital para Brasília. O Estado do Rio não pode passar pela experiência de uma secessão, sob pena de sacrifícios e ônus ainda maiores para a sociedade, especialmente para os pobres e desvalidos. Cariocas e fluminenses constituem um só povo - que deve permanecer coeso e uno.
ROSINHA GAROTINHO é governadora do Estado do Rio de Janeiro.