Título: PROCURADOR PEDE AO STF QUE INVESTIGUE CRIVELLA
Autor:
Fonte: O Globo, 06/10/2004, O país, p. 8

Fonteles afirma que há indícios de falsidade ideológica e crime contra a ordem tributária; senador nega irregularidades

BRASÍLIA. O procurador-geral da República, Cláudio Fonteles, protocolou ontem na Mesa do Senado cópia de requerimento enviado na segunda-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) no qual pede a abertura de inquérito penal contra o senador Marcelo Crivella (PL-RJ) e o deputado federal João Batista (PFL-SP), também da Igreja Universal.

A justificativa para a abertura da investigação são os indícios de prática de crime de falsidade ideológica e contra a ordem tributária. Os parlamentares seriam sócios-gerentes da TV Cabrália Ltda, na Bahia, e teriam omitido esse fato em suas declarações de renda à Receita Federal. Além disso, Crivella, depois de eleito senador, não poderia continuar com cargo administrativo na empresa.

O pedido de abertura de inquérito do procurador poderá ser anexado a outro, que já tramita no STF desde fevereiro do ano passado, e reforçará o pedido de quebra do sigilo fiscal feito contra Crivella. Esse inquérito está aguardando desde setembro o resultado de investigações da Polícia Federal.

Procurador pede quebra de sigilo fiscal de Crivella

Segundo Fonteles, o Ministério das Comunicações teria enviado toda a documentação da TV Cabrália ao Ministério Público, na qual o senador Crivella e o deputado aparecem como gerentes da empresa. Crivella teria em seu nome 46% das cotas da TV e João Batista, 22%. Fonteles suspeita que Crivella continue sendo sócio-proprietário também da TV Record de Franca (SP).

No requerimento enviado ao STF, o procurador ressalta que o artigo 54 da Constituição proíbe parlamentares de exercer a função de diretor ou gerente de empresas concessionárias de serviço público. Acrescenta que a pena para o descumprimento dessa exigência é a perda de mandato. Como Crivella alegou, em defesa enviada a Fonteles, que teria vendido suas cotas da TV Cabrália em 1999 a Osvaldo Roberto Ceola e José Célio Lopes, o procurador pede a quebra do sigilo fiscal dos três, referente aos anos de 1998 a 2001, para que seja verificado se de fato houve o pagamento das cotas. Também pede que sejam investigadas as respectivas evoluções patrimoniais.

Fonteles propõe que o STF ouça os depoimentos de Crivella, Batista e dos dois supostos compradores da TV Cabrália. O procurador espera que eles esclareçam como a venda foi feita, quanto foi pago e se houve a devolução desse valor, já que a operação não teria sido concluída. Para afirmar isso, o procurador baseou-se em informações fornecidas pelo próprio Ministério das Comunicações.

Embora o ministério confirme que em 26 de julho de 2000 recebeu um requerimento solicitando a alteração contratual para a sociedade da TV Cabrália, com a cessão das cotas do senador para Ceola e Lopes, o pedido teria sido rejeitado. Isso porque um dos novos sócios teria ultrapassado os limites fixados para posse de estações radiodifusoras de sons e imagens. Assim, a empresa teria desistido da operação. Prova disso é que em 13 de novembro de 2003 ¿ depois da posse dos dois parlamentares ¿ o senador e o deputado teriam assinado a alteração do contrato social da TV Cabrália na condição de sócios administradores da empresa.

Senador culpa burocracia do Ministério das Comunicações

Em seu requerimento, Fonteles sugere também que o Ministério das Comunicações receba um ofício para fornecer cópia integral de todos os procedimentos de outorga e renovação de outorga de serviços de radiodifusão de sons e imagens da TV Record de Franca.

Investigado também pelo corregedor do Senado, senador Romeu Tuma (PFL-SP), por causa dessas denúncias, Crivella defende-se da acusação. Ele argumenta que enviou a Fonteles cópia de certidões da Receita Federal que comprovariam que em 2000 a operação de venda de suas cotas da TV Cabrália teria sido declarada ao Fisco. Segundo ele, os dois compradores também teriam registrado em suas declarações de renda a posse das cotas adquiridas. Crivella diz que, se a operação não foi homologada, a culpa não é dele, mas da burocracia do Ministério das Comunicações.

O senador admite que, devido a essa demora, acabou assinando um documento que alterava o contrato social da empresa, numa adaptação ao novo Código Civil, sem que houvesse uma ressalva de que não era mais sócio-gerente da emissora.

¿ Era necessário fazer uma ressalva de que eu já havia vendido minhas cotas. Houve um erro do advogado da empresa. Mas isso é comum na venda de apartamentos, cuja operação não é registrada imediatamente no registro de imóveis. Qual o dolo nisso? Que culpa eu tenho se o Ministério das Comunicações não passou as minhas cotas para os novos donos? São pilhas e pilhas de processos que aguardam anos para que sejam atualizados. Isso porque faltam funcionários ¿ disse o senador.

O advogado de Crivella, Arthur Lavigne, considerou o pedido de Fonteles um equívoco.

¿ O senador vendeu as duas TVs há bastante tempo, declarou a operação em seu Imposto de Renda, assim como os compradores, e a Receita forneceu um documento confirmando a legalidade de tudo. Este inquérito é um constrangimento ilegal a que o procurador está submetendo o senador ¿ afirmou Lavigne.