Título: OS GUARDIÕES ALEMÃES DO PAPA
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Fonte: O Globo, 27/04/2005, O Mundo, p. 30

Uma governanta musicista e um secretário teólogo para Bento XVI

CIDADE DO VATICANO. Saem os poloneses, entram os alemães. Depois de um quarto de século de predomínio dos conterrâneos de Karol Wojtyla no círculo mais íntimo ao redor do Pontífice, agora é a vez de os compatriotas de Bento XVI assumirem junto ao Trono de Pedro os lugares que ocupavam como assessores do cardeal Joseph Ratzinger na Cúria Romana. É esta pequena equipe de guardiões que zelará por seu bem-estar.

Caminhando alguns passos atrás do Papa, e quase imperceptível em meio às vestes coloridas de cardeais e bispos, está uma mulher que provavelmente é a pessoa mais próxima do novo Pontífice. Seu nome é Ingrid Stampa, de 55 anos, que tem sido a governanta e confidente de Joseph Ratzinger nos últimos 14 anos. Mas Ingrid é muito mais do que uma governanta. Professora de viola da gamba, um antigo instrumento musical semelhante ao violoncelo moderno, ela teve uma respeitada carreira como musicista e traduziu livros de João Paulo II para o alemão.

Magra, cabelos escuros, óculos e com roupas sóbrias, Ingrid pertence à ordem secular das Damas de Schoenstatt. Como o novo Papa, ela nasceu na Alemanha e começou a trabalhar para ele no Vaticano em 1991, quando o cardeal Joseph Ratzinger já era prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. A eleição de Ratzinger como Papa a pegou de surpresa.

Na terça-feira da semana passada, ela trabalhava em seu computador quando viu a fumaça branca subir da chaminé na Capela Sistina, indicando que o novo Papa havia sido escolhido. Correu para a Praça de São Pedro e, ao ouvir o anúncio em latim do sucessor de João Paulo II, começou a chorar: "Josephum cardinalem Ratzinger." Desde então, não consegue mais dormir direito.

- Nunca imaginei que isso poderia acontecer - disse.

Naquela mesma tarde, Ratzinger foi procurá-la antes de jantar com os cardeais, já como Bento XVI. Quando ela se inclinou para beijar sua mão, ele a impediu, dizendo:

- Deus quis assim. Agora devemos seguir a Sua vontade.

Nascida em Kleve, no oeste da Alemanha, Ingrid estudou música medieval em Basiléia, onde depois lecionou, dando aulas também em Hamburgo até o final dos anos 80. Ela participou de concertos e gravações.

Após esse período, Ingrid começou a trabalhar para Ratzinger em 1991, substituindo uma freira que havia morrido, e passou a viver no apartamento do cardeal, a uma pequena caminhada do Vaticano. Ingrid descreve o novo Papa como um homem modesto, de gostos simples. Ele raramente bebe vinho, porque lhe provoca dor de cabeça e gosta de comida italiana, apesar de preferir a alemã.

A mulher não é apenas uma governanta, mas também uma importante interlocutora no plano intelectual. Ela traduziu muitos livros de João Paulo II para o alemão, como o último, "Memória e identidade."

Considerada inteligente e carinhosa, Ingrid se preparava para um futuro calmo, já que Ratzinger havia deixado seu posto no Vaticano com a morte de João Paulo II. Mas com sua escolha, a vida de Ingrid deu uma nova virada.

Hoje, ela é uma das mais leais assistentes de Ratzinger, e o acompanhará agora como Bento XVI, juntamente com o religioso e teólogo alemão Georg Gaenswein, secretário particular do Pontífice, e a irmã Brigitte, uma religiosa poliglota.

Gaenswein contrasta muito com o bispo Stanislaw Dziwisz, de 70 anos, que foi secretário particular de João Paulo II desde a época em que este era arcebispo de Cracóvia. O porte é atlético. O sorriso é de ator de cinema. Mas o dono dos olhos claros que velam por Bento XVI é um teólogo alemão de 48 anos (apesar de não aparentar a idade), que há alguns anos trabalha com Joseph Ratzinger e é considerado seu braço-direito.

Este religioso alemão, apaixonado por esqui e tênis, é conhecido por ser um brilhante teólogo, aberto ao diálogo, e destacado professor de direito eclesiástico na Pontifícia Universidade de Santa Cruz, em Roma.

- Não julguem se baseando em preconceitos ou em aparências. É preciso refletir sempre - costuma dizer o monsenhor.

Pessoas próximas dizem que além de ser muito eficiente, o monsenhor Gaenswein é capaz de "entender qualquer coisa complexa em menos de dez segundos e dar uma resposta clara e imediata".

No domingo, na missa inaugural do pontificado de Bento XVI, ele parecia estar sempre atento ao Papa, inclusive o acompanhando no papamóvel pela Praça de São Pedro após a cerimônia. Gaenswein ocupou-se ainda da mudança dos bens pessoais de Bento XVI, principalmente livros e arquivos, do apartamento na praça Leonina ao Palácio Pontifício no Vaticano.

Nascido, como o Papa, num pequeno povoado no sul da Alemanha, Gaenswein cresceu entre montanhas e foi ordenado sacerdote em 1984, mas voltou à universidade já que seu temperamento está mais ligado aos livros do que ao trabalho com fiéis. Seu encontro com Ratzinger ocorreu há dez anos, quando Gaenswein acabara de chegar a Roma para ser secretário do bispo alemão Josef Clemens. Ratzinger o observou durante meses e em 1996 permitiu sua entrada na Congregação para a Doutrina da Fé. Em 2003 o transformou em seu secretário particular.

Agora, no Vaticano, o secretário deverá ser uma das peças mais importantes da equipe de assistentes de Bento XVI.