Título: AMÉRICA LATINA E SUAS CRISES
Autor:
Fonte: O Globo, 29/04/2005, O Mundo, p. 28

Na Colômbia, munição contra Chávez

Condoleezza sobe o tom e afirma que Venezuela pode desestabilizar toda a região

Apesar de anunciar que sua viagem de cinco dias pela América Latina teria o objetivo geral de fomentar a democracia, o comércio e a luta contra a pobreza, a secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, deixou claro mais uma vez que um tema específico na região preocupa o governo americano: a Venezuela. Depois de receber terça-feira uma resposta negativa do Brasil à proposta de intermediar a crise entre Caracas e Washington, Condoleezza identificou o presidente Hugo Chávez como um corpo estranho num continente "voltado para a democracia" e advertiu que a Venezuela poderá desestabilizar toda a América Latina.

- As atividades venezuelanas na região podem ser desestabilizadoras - afirmou a secretária em Bogotá, depois de se reunir com o presidente Alvaro Uribe.

Condoleezza estava aparentemente mais à vontade para reforçar suas criticas a Chávez, em visita a um país que também tem desavenças com a vizinha Venezuela e que tem sido o maior aliado dos EUA na América do Sul. A secretária voltou a manifestar a preocupação - compartilhada pela Colômbia - com a compra de armas e aviões militares russos e espanhóis pela Venezuela. Disse que as armas poderiam "cair em mãos indevidas", numa referência a grupos armados colombianos.

Chanceler diz que EUA querem isolar Venezuela

O chanceler venezuelano, Alí Rodríguez, afirmou que a viagem de Condoleezza tem o objetivo de isolar a Venezuela de seus vizinhos e que seu país não representa risco algum para a região.

- A Venezuela tem se destacado precisamente por contribuir para resolver conflitos no exterior, e é um sarcasmo que a mais descomunal potência militar que a Humanidade já conheceu nos acuse de estarmos nos armando - disse.

Segundo Rodríguez, as armas são necessárias para controlar a fronteira com a Colômbia, que estaria sujeita a ações de grupos rebeldes colombianos.

- Não encontramos razão alguma para esse comportamento do atual governo americano em relação à Venezuela. Estamos fazendo todas as tentativas para normalizar essa relação, mas não tem sido fácil - afirmou o chanceler.

Depois de Condoleezza desembarcar em Bogotá, seu avião foi enviado para a ilha caribenha de Curaçao, a mil quilômetros, aparentemente por questões de segurança. Ela ficou pouco mais de 18 horas na capital colombiana e seguiu para Santiago, onde participou da abertura da III Conferência Mundial da Comunidade de Democracias, que durante três dias reunirá representantes de 104 países, entre eles o chanceler venezuelano. Hoje, a secretária estará em El Salvador, última etapa de sua viagem de cinco dias pela América Latina.

Em entrevista coletiva ao lado da secretária americana, o presidente do Chile, Ricardo Lagos, sugeriu a ela:

- Às vezes é bom baixar um pouquinho a retórica em relação à Venezuela.

Condoleezza se recusou a comentar o encontro que Chávez teve ontem com o presidente de Cuba, Fidel Castro.

Amorim defende princípio da não intervenção

Em discurso ao lado da Condoleezza, na abertura da conferência, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, afirmou:

- O Brasil sempre se pautou pela não intervenção nos assuntos internos de outros Estados. Este é um preceito básico da nossa diplomacia, mas a não intervenção não pode significar descaso ou falta de interesse. Ou, dito de outra forma: o princípio da não intervenção deve ser visto à luz de outro preceito, baseado na solidariedade: o da não indiferença.

Em meio a um forte aparato de segurança, Santiago viveu momentos de tensão quando a polícia reprimiu com bombas de gás lacrimogêneo estudantes que protestavam nas ruas contra a visita da secretária.

A conferência acontece no momento em que a Organização dos Estados Americanos (OEA) se prepara para eleger um novo secretário-geral. Os EUA apóiam a candidatura do chanceler do México, Ernesto Derbez, presente em Santiago. Já países da América do Sul e do Caribe apóiam o ministro do Interior do Chile, José Miguel Insulza. Ele empatou com Derbez numa votação em abril, o que levou à convocação de nova votação para segunda-feira.

Brasil alerta secretária

Pedido de cautela aos EUA

SANTIAGO. Além de reafirmar a posição brasileira de defesa da soberania da Venezuela, o presidente Lula e o ministro do Exterior, Celso Amorim, disseram à secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, na visita ao Brasil, que apenas o diálogo conseguirá reduzir o nível de radicalização política no país de Hugo Chávez. Na conversa, ainda que em tom cordial, Condoleezza foi alertada pelas autoridades brasileiras que a situação é delicada: cada vez que os Estados Unidos expressam posições muito duras em relação a Chávez, a oposição venezuelana interpreta como um possível apoio americano a um golpe.

Lula, Amorim e o ministro José Dirceu deixaram claro a Condoleezza a preocupação com a divisão da sociedade venezuelana. Por isso, explicaram que a posição brasileira é de manter o diálogo. Lula aproveitou para esclarecer suas últimas declarações em defesa de Chávez logo após críticas feitas ao venezuelano pelo secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld.

- O presidente Lula reiterou que o governo Chávez foi eleito pelo povo e defendeu uma saída pelo diálogo - relatou o chanceler Celso Amorim.

Em todas as conversas com Lula e seus ministros, Condoleezza fez questão de esclarecer que não gostaria que a Venezuela se tornasse o principal assunto de sua visita ao Brasil - considerada um sucesso pela diplomacia brasileira.

Outro tema discutido foi a realização da reunião de cúpula entre os países árabes e da América do Sul em maio em Brasília. A secretária soube que o encontro dará ênfase à cooperação comercial e cultural entre esses países e não será um fórum de críticas a EUA e Israel.

HELENA CHAGAS viajou a convite do Itamaraty