Título: `Eu e o Palocci somos unha e carne. Tenho total confiança no que ele faz¿
Autor: Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 30/04/2005, O País, p. 4

Presidente diz que titular da pasta tem autonomia para mudar equipe

PALAVRA MÁGICA 10 vezes o presidente usou a palavra "possivelmente" em uma hora e 20 minutos de entrevista

BRASÍLIA. Durante uma hora e 20 minutos de coletiva, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva elogiou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, em diversas ocasiões, afirmando que tem total confiança no que ele faz. Foi o único de todos os ministros citados ao longo da entrevista a merecer referências elogiosas explícitas do presidente. Lula disse que ele e Palocci são como unha e carne, quando perguntado sobre a decisão do ministro da Fazenda de trazer para sua equipe o economista Murilo Portugal, que integrou o governo de Fernando Henrique Cardoso.

- Tenho pelo companheiro Palocci o mais profundo respeito. Tenho uma ligação política, ideológica, uma relação de quase 30 anos com Palocci. Portanto, poderia dizer a você que eu e o Palocci somos unha e carne. Tenho total confiança nas coisas que o Palocci faz - disse Lula. O ministro tem 45 anos e Lula, 59.

- Quando Palocci anuncia a mim que vai mudar sua equipe econômica, digo para ele e para todos os ministros: quero saber se você confia nas pessoas que você está indicando. Se ele falar para mim que "eu confio, são pessoas que vão fazer aquilo que achar que deve ser feito", então vocês montem suas equipes porque é assim que o Brasil pode ir para a frente.

"Garanto que Palocci não me conta todos os sonhos"

Quando confrontado com posições defendidas pelo ministro da Fazenda, Lula fez novamente afagos a Palocci. Em resposta à pergunta se a proposta de autonomia do Banco Central seria um sonho do ministro da Fazenda ou uma decisão de governo, riu e brincou:

- Posso lhe garantir que Palocci não me conta todos os seus sonhos. Certamente alguns ele guarda para si e não me conta - disse, provocando risos.

Sobre a proposta de autonomia do BC, o presidente disse que prefere esperar que esse debate aconteça e evolua no Congresso. Não será uma proposta de governo. Em seguida, emendou novas referências elogiosas ao ministro, dizendo que a queda dos juros e a consolidação da economia fazem parte das preocupações de Palocci.

- Então, a busca incessante para consolidar essa economia faz parte do meu cotidiano, faz parte do cotidiano do Palocci e, portanto, as pessoas têm a minha total confiança.

Lula fez questão de ressaltar que os juros altos também são a preocupação primeira do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Ao garantir que não vai pôr em risco o que já conquistou, o presidente Lula fez críticas a planos econômicos de governos anteriores e aos empresários que, segundo ele, mesmo com o aumento do consumo, elevam os preços para recuperar perdas passadas.

- Se eu tivesse 30 anos, adoraria uma pirotecnia. Mas, aos 59 anos de idade, de barba e cabelo brancos, prefiro fazer as coisas com o melhor senso possível.

Lula diz que é preciso "reeducar a sociedade"

Lula manteve a afirmação de que os brasileiros devem deixar o comodismo de lado e buscar pagar menos juros em bancos ou no cheque especial. Para ele, trata-se de "reeducar a sociedade". Na semana passada, ele provocou polêmica ao dizer que o brasileiro deveria "levantar o traseiro da cadeira e buscar juros mais baixos".

- A sociedade, por si só, pode ir buscando reeducar o sistema financeiro brasileiro, para ele entender que nosso povo precisa ter direito a um empréstimo a juros condizentes com sua possibilidade de pagar.

Alfinetadas em aliados e adversários

Houve estocadas em petistas, Furlan, Sarney e Fernando Henrique

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu alfinetadas discretas em aliados, adversários, ex-presidentes e até ministros. Ao falar da eleição de Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Câmara, Lula disse que o azar era dos perdedores, numa referência aos candidatos do PT que brigaram entre si: Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) e Virgílio Guimarães (MG).

- Sorte dele (Severino) que ganhou e azar de quem perdeu.

A crítica velada aos ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique surgiu quando Lula falou em planos econômicos mirabolantes.

- Vocês já viram gente, em nome de controlar a inflação, levantar bandeira de fiscalizar supermercado. Muito recentemente, viram helicópteros sobrevoando o interior de São Paulo procurando boi porque era preciso controlar o preço da carne - disse Lula, sobre o Plano Cruzado, do hoje aliado Sarney.

Da era Fernando Henrique, Lula criticou a desvalorização do real. Até o vice-presidente José Alencar, presente à entrevista, não escapou de certa ironia:

- Uma das razões pelas quais convidei Alencar para ser vice foi pelo discurso que ele fazia contra a política de juros.

O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, foi repreendido quando Lula respondeu à pergunta sobre a afirmação de Furlan sobre a falta de unidade no governo:

- Às vezes, as pessoas preferem contar aos jornalistas do que a mim. Vou perguntar a Furlan qual é o problema de falta de sintonia que existe entre eles.

O repórter da Rádio Gaúcha Roberto Maltichk foi vítima de uma gafe de Lula. Ao falar de seu esforço para melhorar a vida do brasileiro pobre, o presidente dirigiu-se ao repórter dizendo: "Você, como cristão...". Maltichk tem formação judaica.

Propaganda gratuita

Lula cita banco privado ao falar de juros

BRASÍLIA. Em diversas oportunidades, na entrevista de ontem, o presidente Lula falou sobre a possibilidade de o cidadão buscar no mercado taxas de juros menores. Numa dessas ocasiões, acabou fazendo propaganda de uma instituição bancária privada, o Unibanco, que tem como presidente do Conselho de Administração o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan.

- Eu citei um exemplo, eu citei o Unibanco, eu não podia falar em banco aqui, por isso que... Mas um banco reduziu a taxa, na expectativa de que os clientes dos outros bancos saíssem para ele. E ele (o banco) ficou muito chateado porque não saíram. Ou seja, ou a propaganda não foi correta ou não é tão simples fazer uma pessoa se mover para que ela troque de banco - disse Lula, reconhecendo também que não é tão fácil para o cidadão buscar uma taxa de juro menor, como sugerira no início da semana.

Luiz Inácio falou...

FMI E MÍNIMO: A questão do FMI, no começo da década de 70, não era a principalidade das discussões que nós, dirigentes sindicais, fazíamos. Brigávamos muito por reajuste de salário e é o papel que o movimento sindical continua fazendo. O Brasil vive hoje, talvez, um dos seus melhores momentos no que diz respeito ao salário-mínimo. A partir de 1º de maio, o mínimo passa a ser de R$300, e vai poder significar, praticamente, dobrar o poder de compra da cesta básica que tínhamos no começo de 2003. Em 2003, o mínimo podia comprar 1,2 cesta básica e, hoje, já compra 1,9. Com o aumento, certamente vai poder comprar duas cestas, o que é um dado auspicioso. Com relação ao FMI, não temos mais acordo. Não se precisou dar murro na mesa, não se precisou gritar, não se precisou levantar faixa, não precisei convocar passeata.

JUROS: Acho que todos nós, o ministro Palocci, o Meirelles, os funcionários todos e o povo brasileiro desejam que encontremos uma taxa de juros mais baixa para o país, e precisamos trabalhar para criar condições para que essa taxa de juros baixe. Eu queria lhe dar um dado importante: a média da taxa de juros real de mercado, de 2000 a 2002, foi de 15,8%; a média de mercado em 2003 foi 13,2%; a média, em 2004, foi de 10,6%. Não temos a média de 2005, ainda, porque estamos no começo do ano. Mas a média de 1997 a 1999 foi de 21,4%, e acho que estamos caminhando, primeiro, para garantir a estabilização da economia e para que possamos ter certeza de que a inflação não voltará mais, porque a inflação é o que pode causar enorme prejuízo aos assalariados.

PALOCCI: Tenho pelo companheiro Palocci o mais profundo respeito, tenho uma ligação política, ideológica, tenho uma relação de quase 30 anos com o Palocci, portanto eu poderia dizer a você que eu e o Palocci somos unha e carne. Eu tenho total confiança nas coisas que o Palocci faz e, se ele faz, faz na perspectiva de fazer o melhor para este país. Não tenho nenhuma dúvida, quando o ministro Palocci anuncia a mim que vai mudar a sua equipe econômica, digo para ele e para todos os ministros: quero saber se você confia nas pessoas que está indicando. Se ele falar para mim "eu confio, são pessoas que vão fazer aquilo que eu achar que deve ser feito", então meus queridos, vocês montem as suas equipes porque é assim que o Brasil pode ir para a frente.

TRASEIRO: Nós precisamos, nós sociedade, não é ficar esperando apenas que o governo faça. (...) A sociedade, por si só, pode ir reeducando o sistema financeiro para entender que somos um país capitalista, que precisamos ter dinheiro em circulação, e que o nosso povo precisa ter direito a um empréstimo a juros condizentes com sua possibilidade de pagar.

MAIS JUROS: Estou convencido de que os juros não podem ser o único instrumento para controlar a inflação; se for assim, passamos muita responsabilidade para o BC e tiramos das nossas costas a responsabilidade, das costas do governo e das costas da sociedade. Vocês já viram gente, em nome de controlar a inflação, levantar a bandeira de fiscalizar supermercado, muito recentemente em governos passados no Brasil, vocês já viram helicópteros sobrevoando o interior procurando boi, porque era preciso controlar a carne. Não vamos fazer isso. Eu, possivelmente, se tivesse 30 anos, adoraria uma pirotecnia, mas aos 59 anos, de barba e cabelo branco, prefiro fazer as coisas com o melhor senso possível.