Título: DIRCEU GANHA ESPAÇO NA POLÍTICA EXTERNA DE LULA
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 01/05/2005, O País, p. 17

Viagens diplomáticas de chefe da Casa Civil a EUA e Venezuela dividem opiniões da oposição e de analistas

BRASÍLIA. O estilo pulverizado na condução da política externa comandada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem provocando polêmica com a participação, cada vez maior, do chefe da Casa Civil, José Dirceu, na área de relações internacionais. Dirceu garante que faz tudo o que manda o presidente da República e sempre sob a orientação estratégica do Itamaraty.

Desde o início do governo Lula, a política externa vinha sendo personificada por três pessoas: o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim; o secretário-executivo do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães; e o assessor para assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia. Dirceu deu passos mais ousados nessa área no início deste ano, quando fez uma viagem diplomática aos Estados Unidos.

Mas o papel de Dirceu tem sido criticado por alguns analistas e representantes da oposição. Sua viagem a Caracas na última segunda-feira, um dia antes de a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, chegar a Brasília, causou frisson e rumores de que o ministro teria ido se encontrar com presidente Hugo Chávez para tentar uma aproximação entre a Venezuela e os Estados Unidos.

Garcia se apressou em desmentir mas, sem a agenda de Dirceu em mãos, o Itamaraty não tinha o que explicar e se manteve em silêncio. Mesmo assim, assessores diretos de Amorim dizem que as atividades de Dirceu em viagens internacionais jamais atrapalharam a política externa brasileira.

Para tucano, diplomacia tem conotação ideológica

Quando o chanceler Amorim estava na Ásia há cerca de dois meses, lembram essas fontes diplomáticas, Dirceu promoveu um seminário de política externa no Palácio do Planalto. Dirceu, acrescentam, foi a Caracas num momento em que Garcia estava em Sevilha, na Espanha, e Amorim se preparava para receber Condoleezza em Brasília. A versão oficial é que tudo não passa de uma tentativa de explorar algo que se traduz numa soma de forças.

Só que essa visão não é unânime. A aparição de Dirceu nesta área divide opiniões dentro e fora do governo. A cientista política Lúcia Hipólito considera Dirceu um estranho no ninho. Para ela, essa não é a função de um chefe da Casa Civil, embora ele seja um dos integrantes da Câmara de Comércio Exterior (Camex), assim como os ministros Antonio Palocci (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento), que não interferem nesses assuntos.

¿ José Dirceu tem de cuidar da gerência do governo. Vejo isso com perplexidade. Primeiro, ele era o articulador político e deu tudo errado. Também parece que não está se saindo bem como ¿gerentão¿ e, agora, corre para a política externa, que é algo mais demandado e que vem dando certo ¿ diz ela.

O deputado Antônio Carlos Pannuzio (PSDB-SP), integrante da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, vai mais além. Em sua opinião, cada vez mais a diplomacia brasileira vem ganhando uma conotação ideológica. E a ligação de Dirceu com Hugo Chávez e o cubano Fidel Castro é, segundo o parlamentar, uma prova disso.

¿ Estamos fugindo da tradição do Itamaraty. Até mesmo durante o período militar havia um certo pragmatismo responsável. Agora, o que vejo é um fracasso generalizado e essa ligação com a Venezuela não leva a nada e só poderá nos trazer complicações ¿ diz Pannuzio.

Já o historiador Amado Cervo, da Universidade de Brasília, lembra que, antes de ir a Caracas, Dirceu esteve nos EUA e foi recebido pela secretária de Estado, o que indica seu vasto leque de contatos que, certamente, deve ser interessante ao presidente Lula e ao próprio Amorim. Fontes da Casa Civil esclarecem que essa proximidade se deve ao bom relacionamento de Dirceu com os republicanos, no caso dos EUA, e com os países latinos.

¿ Não sei se é porque Dirceu perdeu muito de sua moral na coordenação política do governo, após o escândalo (envolvendo Waldomiro Diniz, ex-chefe da assessoria parlamentar da Casa Civil). Acabou perdendo na área interna e as viagens mostram que ele tem uma importância grande ¿ afirma Cervo.

Em sua primeira coletiva, Lula não mencionou Dirceu

O fato é que sexta-feira passada, durante sua primeira entrevista coletiva, Lula citou Amorim e os ministros Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) e Roberto Rodrigues (Agricultura) como os homens do seu governo que garantem sucessos na área externa. Não mencionou o nome de Dirceu.

¿ Todo governo sempre tem um curinga e, no nosso caso, é o Dirceu. O ministro pode ser designado para qualquer missão especial pelo presidente. De forma geral, são ações extemporâneas e precisam ser coordenadas e azeitadas com o Itamaraty ¿ diz a deputada Maria José da Conceição, a Maninha (PT-DF), também da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

Já o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), assegura que a participação de Dirceu em algumas atividades da política externa não significa duplicidade. Ele garante que todos trabalham em conjunto para uma das áreas mais demandadas e bem-sucedidas do governo.

¿ O melhor da política externa tem quatro letras: Lula ¿ disse o senador.