Título: R$15 bilhões pelo ralo
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 01/05/2005, Economia, p. 35

País tem 3 mil obras inacabadas. Governo e Congresso articulam ofensiva para concluí-las

OCongresso Nacional e o governo federal estão articulando uma ofensiva para reduzir o número de obras inacabadas no país ¿ um mastodonte cujo desperdício chega hoje a R$15 bilhões, duas vezes mais do que o governo investe em infra-estrutura anualmente. Descaso, falta de compromisso das bancadas de deputados e senadores, irregularidades e escassez de investimentos públicos respondem pelas perdas. A estimativa preliminar é do Tribunal de Contas da União (TCU), que calcula em mais de três mil o número de empreendimentos parados no Brasil hoje. É o caso de um hospital em Natal, que começou a ser feito em 1989 com Orçamento de mais de R$190 milhões. Só no Ministério das Cidades são mais de 1.600.

Os R$15 bilhões desperdiçados seriam suficientes para realizar o sonho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de alimentar todos os brasileiros que passam fome (11 milhões de famílias). Este ano serão investidos no Programa Fome Zero R$6,5 bilhões.

O estudo foi encomendado pelo presidente da Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara, deputado Alexandre Cardoso (PSB-RJ), para subsidiar as mudanças que serão feitas no Orçamento da União do ano que vem.

Novos projetos estão suspensos por Lula

No Congresso, já há consenso entre os líderes partidários ¿ de PP, PSDB, PFL e PMDB ¿ em torno do Projeto de Resolução do deputado Ricardo Barros (PP-PR), que obriga as bancadas a fazerem emendas destinando dinheiro para que obras paradas em seus estados sejam retomadas. Até o término do empreendimento a bancada se responsabiliza em apontar os recursos.

¿ Com a medida evita-se o problema das obras inacabadas, que é gravíssimo no Brasil. As emendas terão de ter caráter de prioridade e de interesse público em primeiro lugar ¿ disse o líder do PT no Senado, Delcídio Amaral (MS).

Os diversos ministérios que têm obras de infra-estrutura (Cidades, Integração Nacional e Transportes) receberam ordem expressa do presidente Lula de não iniciar novos empreendimentos ¿ devem se esforçar para acabar com os esqueletos. A exceção é a transposição do Rio São Francisco, menina dos olhos de Lula.

Na próxima semana, o deputado Alexandre Cardoso vai nomear uma comissão cuja atribuição será separar as obras em três grupos: as abandonadas, as que têm irregularidades e as passíveis de recuperação.

¿ Na verdade, terá que ser um trabalho criterioso para este problema ser riscado do mapa. Isto dispersa recursos públicos e impede investimentos no social ¿ disse Cardoso.

A prática política é um dos motivos para a paralisação de obras e a emenda debatida no Congresso tenta impor limites a ela. Muitos políticos fazem emendas para determinadas obras de seu interesse num ano, mas no ano seguinte mudam de alvo para atender a novas demandas políticas.

¿ Disciplinar a destinação dos recursos é a única forma de acabar com o problema ¿ disse o deputado Ricardo Barros.

Indústria defende racionalizar gastos

Pelo levantamento do TCU, apenas 21 obras paradas, algumas de grande impacto econômico e social, somam prejuízos potenciais de R$2,4 bilhões. Um exemplo é o Projeto Passarão, em Boa Vista (RR), iniciado em 1995 com o objetivo de irrigar uma área de mil hectares. O programa se arrastou por seis anos até ser interrompido. Orçado em R$30 milhões, ainda não se sabe ao certo quanto consumiu. As obras só não foram totalmente inúteis porque produtores da região fizeram um arranjo local para utilizar a infra-estrutura já instalada, que está irrigando uma área de menos de 300 hectares.

¿ Não tem sentido iniciar uma obra em um ano e no seguinte não ter dinheiro para dar continuidade ao projeto ¿ afirmou o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP).

Além da dispersão na destinação de recursos por parte do Congresso, os investimentos em infra-estrutura estão murchando a cada ano com o severo contingenciamento de gastos por parte do governo federal. Em 2001 foram investidos R$22,3 bilhões em infra-estrutura, valor que caiu para R$12,3 bilhões em 2002 e para R$7,2 bilhões em 2003. Em 2004, os investimentos voltaram a crescer e passaram para R$10,8 bilhões.

Os empresários concordam com a necessidade de racionalizar gastos:

¿ A liberação dos recursos acaba sendo uma coisa de balcão e apadrinhamento. É muito positivo dar um tratamento diferente para os recursos públicos ¿ disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base (Abdib), Paulo Godoy.

O Congresso trabalha para reduzir de 18 para cinco o número de emendas a que cada bancada terá direito. Isto poderia fazer o dinheiro para as obras inacabadas aumentar proporcionalmente à redução das emendas. Hoje, o teto é de R$6 milhões.

OBRAS PARADAS NO MINISTÉRIO DAS CIDADES SURGIRAM DE EMENDAS, na página 36