Título: ORDEM-UNIDA
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Fonte: O Globo, 30/04/2005, Editorial, p. 6

Presidente acerta ao reafirmar apoio a Palocci

Por coerência, Lula deve aumentar superávit primário

A esta altura, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já deve ter se perguntado por que não concedeu antes a sua primeira entrevista coletiva. Foi preciso passar mais da metade do mandato para aceitar responder, de maneira ordenada, a perguntas dos mais importantes veículos de comunicação do país, com cobertura ao vivo por TV e rádio, além de sites da internet.

Espera-se que tenha concluído serem essas entrevistas - como fazem os presidentes americanos - oportunidades preciosas para dirigir-se à nação. Muito mais adequadas do que os verdadeiros comícios promovidos em qualquer inauguração a que comparece, em qualquer ponto do país, onde costuma se deixar levar pelo improviso sem freios, com resultados desastrosos para ele e o governo.

Já nessas entrevistas, por se preparar previamente e ser perguntado sobre temas de efetivo interesse da nação, o presidente pode ser claro, definir melhor linhas de atuação do Estado, afastar temores, restabelecer confianças. Foi o que Lula conseguiu ontem, ao reafirmar princípios estratégicos da política econômica e proteger a equipe econômica do movimento político de pressão contra ela que vinha ganhando força nas últimas semanas, com conhecidas articulações dentro do próprio governo, no PT, no Congresso e no empresariado paulista aliado a segmentos do sindicalismo.

Vale registrar que não constrangeu Lula a presença na entrevista de um dos vértices da operação de tentativa de desestabilização da política monetária do Banco Central, o vice-presidente José Alencar.

"Unha e carne" - a expressão usada por Luiz Inácio Lula da Silva para qualificar seu relacionamento com Antonio Palocci veio em momento adequado; quando, além de enfrentar a escalada das pressões, o ministro da Fazenda acabava de efetuar importante mudança na cúpula do ministério, a partir da saída do secretário de Política Econômica Marcos Lisboa, conhecido alvo da ala esquerda do PT, considerado um "neoliberal" infiltrado em Brasília.

Pois Palocci transferiu para o lugar de Lisboa o secretário-executivo Bernard Appy, e trouxe para o lugar deste, o segundo posto na hierarquia do ministério, Murilo Portugal, um dos mais próximos colaboradores do governo de Fernando Henrique Cardoso, símbolo de todos os males no entender dos radicais petistas e cercanias. Tudo, por óbvio, com o aval de Lula. Se alguém tinha dúvidas, deixou de tê-las ontem pela manhã.

Com a reafirmação de apoio radical a Palocci - o que tinha mesmo de fazer - Lula sufocou qualquer possibilidade de especulações sobre o futuro do ministro e da política econômica. No que pode ser comparado, do ponto de vista político, à Carta ao Povo Brasileiro, divulgada antes da última fase da campanha eleitoral de 2002, o presidente poucas vezes foi tão claro sobre o que pensa acerca do combate à inflação e dos juros.

Com a Carta, Lula e o PT começaram a afastar temores sobre o seu, àquela altura, provável governo e a debelar a insegurança dos mercados diante do risco de eles aplicarem tudo aquilo que durante anos vociferaram dos palanques. E com a entrevista, Luiz Inácio Lula da Silva afastou o medo de que poderia se curvar à tentativa de cerco a Palocci e ao BC.

"A inflação é que pode causar os maiores prejuízos aos assalariados." A frase do presidente indica uma absoluta compreensão da importância da luta do BC contra a alta de preços. E para ser mais claro, Lula defendeu uma ação do BC que o faça atingir "o centro da meta da inflação". Ou 5,1% este ano, alvo difícil de alcançar. Mas ficou o recado: a meta é a inflação mais baixa possível, do nível dos países desenvolvidos.

O ponto alto da entrevista foi o reconhecimento do presidente de que os juros (a política monetária) não podem ser o único instrumento de controle da inflação. Ou seja, debelar a alta de preços não é problema apenas do BC. Deve envolver todo o governo.

Lula está certo. E para colocar em prática o diagnóstico deve voltar a executar uma política fiscal mais dura, precisa reduzir os gastos públicos. E quanto mais rapidamente o fizer - por meio do aumento do superávit primário para a faixa dos 5% do PIB - mais cedo o BC poderá começar a cortar os juros. Não há mágica a fazer; é preciso repetir a política de 2003. Como ele próprio disse, ao se referir à questão da autonomia do Banco Central: "Este é um assunto que não pode ser tratado no debate político e ideológico." Também é o caso da luta contra a inflação.

Lula enquadrou o governo e o PT. Agora, é cobrar-lhe e ajudá-lo a fazer o dever de casa com o qual se comprometeu