Título: Os EUA precisam da Venezuela e vice-versa, diz
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Fonte: O Globo, 30/04/2005, O País, p. 8

Presidente lembra que países mantêm relação de dependência por causa do petróleo e diz que não está preocupado

BRASÍLIA. As críticas da secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, às limitações da democracia na Venezuela não preocupam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na entrevista de ontem, Lula disse que ficou convencido, após a conversa com Condoleezza, que não há possibilidade de conflito entre Venezuela e EUA. E afirmou que isso não deverá acontecer porque entre os dois países há uma relação de dependência na área de petróleo.

Lula argumentou que os EUA importam 15% do que precisam de petróleo da Venezuela e que, por isso, é importante que mantenham boas relações:

- Os Estados Unidos são o maior importador de petróleo da Venezuela. Portanto, a Venezuela precisa dos EUA e os EUA precisam da Venezuela. Não há razão para estarem brigando.

Lula está otimista, apesar do discurso de Condoleezza

Apesar do discurso duro de Condoleezza - que se tornou mais contundente ainda contra a Venezuela na sua passagem pela Colômbia, quinta-feira - o presidente está otimista.

Lula reiterou que costuma conversar com freqüência com o amigo e presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Ele lembrou que o Brasil liderou o movimento para criar o Grupo de Amigos da Venezuela, no auge da crise naquele país, em 2003.

- Nós precisamos de paz para que a gente possa pensar no desenvolvimento, no crescimento econômico e na geração de riqueza no nosso país. Por isso, o Brasil está com uma forte política de integração física da América do Sul. Por isso, nós criamos a Comunidade Sul Americana de Nações. E, por isso, eu disse à Secretária de Estado dos EUA que o presidente Bush entrasse junto com o Brasil e com os países da América do Sul nessa política de criar uma infra-estrutura, de criar uma integração física, porque irá facilitar o crescimento e o estabelecimento da paz no nosso continente.

Lula mostrou-se otimista em relação à campanha para o Brasil ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Afirmou acreditar que, se a reforma de democratização da ONU for feita, o Brasil será contemplado com uma vaga no Conselho de Segurança.

- O Brasil já era para estar na ONU (no Conselho) desde 1945. Se a reforma sair, o Brasil entrará. Estamos trabalhando para que (a reforma) seja esse ano. Se não for, que seja o ano que vem - disse Lula.

Ansiedade, descontração e cansaço

Fora dos microfones, Lula reage à pergunta sobre 'tirar o traseiro da cadeira'

BRASÍLIA. A descontração e o sorriso visíveis durante a entrevista desapareceram do rosto do presidente Lula quando ele foi perguntado, fora dos microfones, sobre sua declaração de que o brasileiro precisa "tirar o traseiro da cadeira" para conseguir juros bancários mais baixos. "Responda você", reagiu Lula.

Lula saiu rapidamente do Salão Oeste, onde ocorreu a coletiva, alegando cansaço. Embora tenha aparentado segurança na entrevista, o presidente chegou ao salão ansioso: apertava as mãos e dava curtos passos em torno do microfone. Aos poucos, foi se descontraindo.

O formato da coletiva favoreceu o desempenho de Lula: os repórteres não tinham direito à réplica, o que ocorreu em raros momentos. O vice-presidente José Alencar e o ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação de Governo) permaneceram sentados em cadeiras atrás do púlpito montado para Lula.

O presidente tinha dados do governo na ponta da língua. Em certo momento, seu assessor especial José Graziano passou-lhe uma cola: mostrou um papel em branco com o número das exportações brasileiras: US$102 bilhões. Lula tem repetido este número à exaustão, mas Graziano queria que ele o citasse naquele momento. Lula levou dados dos programas do governo, que vez por outra consultava, e relatou números. O porta-voz da Presidência, André Singer, foi o mestre-de-cerimônias. Ao fim da entrevista, perguntado se tinha gostado, Lula respondeu:

- Eu não tenho que gostar. Vocês é que avaliam.

Luiz Inácio falou...

VENEZUELA-EUA: Não vejo nenhuma possibilidade de haver um conflito maior entre Estados Unidos e Venezuela. No auge da crise, ainda em janeiro de 2003, propusemos a criação do Grupo de Amigos. A criação do Grupo de Amigos, do qual faziam parte Brasil, Chile, Estados Unidos e Espanha, gerou uma certa polêmica porque, num primeiro momento, o presidente Chávez não queria nem os Estados Unidos e nem a Espanha, que tinha reconhecido o golpe. Convencemos o presidente Chávez que era importante que tivesse interlocutores que falassem com a sua oposição. (...) Sempre que possível, tenho conversado com o Chávez, tenho feito muitas reuniões. (...) Ainda esta semana recebi a secretária de Estado dos Estados Unidos, e penso que estamos andando a passos largos para que haja uma grande harmonia entre Estados Unidos e Venezuela, até porque nós, do Brasil, temos todo o interesse que no nosso continente haja a maior tranqüilidade. Os Estados Unidos importam 15% do petróleo da Venezuela e, portanto, a Venezuela precisa dos Estados Unidos, os Estados Unidos precisam da Venezuela. Não há razão para os dois estarem brigando. Depois da reunião com a secretária Condoleezza, fiquei convencido de que as coisas vão andar muito melhor daqui para a frente, e naquilo que o Brasil puder contribuir, vamos contribuir.